Vendedor de sacolé conta 1.000 subidas à Pedra da Gávea, no Rio

Com escaladas, rapel e 20 quilos nas costas, Tony refresca visitantes no topo da trilha e vira cuidador da floresta

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Rio de Janeiro

"Como se fosse a primeira vez", define o vendedor de sacolé Antonio Carlos Santos, 40, sobre completar o que conta como a milésima subida à Pedra da Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro, no dia 20 de julho.

No topo da trilha considerada a mais difícil do estado, Tony, como prefere ser chamado, diz se recordar de toda trajetória que o levou até ali. "Lembro das vezes que eu subi doente ou na chuva, passa muita coisa na minha cabeça. Mas a emoção de estar aqui é a mesma do primeiro dia", disse.

São cerca de três horas de trajeto para alcançar o pico do maior bloco de pedra à beira-mar do mundo, localizado entre os bairros de São Conrado e Barra da Tijuca. Com 844 metros de altura, o caminho exige grande esforço físico, mas é recompensado com uma vista panorâmica da cidade.

Três pessoas estão sentadas em uma rocha no topo de uma montanha, com um céu azul ao fundo. Um dos indivíduos, de pé, está passando um celular para outro que está sentado. A terceira pessoa, também sentada, observa. A paisagem ao fundo mostra nuvens abaixo da montanha.
O ambulante Antônio Carlos Santos completou 1.000 subidas à Pedra da Gávea (RJ) vendendo sacolé aos turistas e trilheiros - Eduardo Anizelli /Folhapress

O desafio da trilha da Pedra da Gávea é procurado por amantes de aventura, e foi nessa busca que Tony subiu a montanha pela primeira vez.

De São Mateus, na zona leste de São Paulo, foi para o Rio após uma oportunidade de trabalho. "Eu vim trabalhar num restaurante onde fiquei cerca de dez meses até pedir demissão para vender sacolé na Gávea", diz Tony, que nasceu na Bahia, mas foi para a capital paulista com uma família adotiva.

Quando completou a maioridade, ajudava nas contas de casa com o dinheiro que fazia catando papelão nas ruas. "Eu ia de madrugada porque tinha um pouco vergonha. Minha mãe ficava muito preocupada e sempre tentava ajudar procurando outra ocupação para mim. Até que um dia uma conhecida dela falou sobre uma vaga de lavador de pratos em um restaurante", conta.

Das louças, Tony passou a auxiliar na preparação dos pratos. Ganhou experiência e atuou em diversos restaurantes como ajudante de cozinha até se formar em gastronomia. Depois, passou um tempo fazendo entregas de bicicleta. "Eu queria unir o meu ofício com o que eu amo fazer, que é essa busca pela aventura. Eu gostava muito mesmo, porque eu adoro pedalar."

De volta às cozinhas paulistas, Tony trabalhou em um restaurante que abriu uma filial no centro do Rio de Janeiro, dando abertura para uma transferência. "Foi a oportunidade que eu enxerguei de viver aqui. Sempre que podia, eu vinha para o Rio nas folgas, e fazia a trilha da Gávea", lembra.

Tony sobe a trilha da Pedra da Gávea de duas a três vezes na semana, desde 2018. Como se não bastasse o trajeto pesado, com escaladas e rapel, o vendedor carrega nas costas cerca de 20 quilos de mercadoria entre sacolés, água e refrigerantes. Mas afirma que não faz nenhum treino ou preparo físico para isso.

"Eu era ciclista, sempre pedalei. Mas agora só faço a trilha. No início, eu levava uns dois dias para me recuperar. Hoje não sinto tanto, mas sei que deveria me alongar, fazer um fortalecimento, porém, acabo não fazendo. Só venho", diz o vendedor. Ele aproveita ao máximo os dias de sol para subir a montanha, já que a chuva inviabiliza a caminhada.

Tony faz a contagem das subidas à Pedra da Gávea em seu perfil no Instagram. Nas postagens, o vendedor e seu cooler de sacolés aparecem nas fotos nos pontos mais críticos da trilha e paisagens exuberantes. Muitos seguidores comentam elogiando os produtos do empreendedor e seu carisma.

"No início, eu tinha muita vergonha. As pessoas passavam por mim e eu ensaiava a venda, mas travava. Mas não demorou muito para passar a timidez", disse, enquanto oferecia em inglês seu sacolé a um trio de gringos: "Morning, ice cream?".

"Eu não falo outros idiomas, mas aqui a gente se vira. Eu decoro algumas palavras. Passei um mês treinando as direções em francês, hoje já consigo guiar quem pede ajuda."

O vendedor de sacolé auxilia os visitantes com dicas e orientações sobre a trilha e faz fotos para aqueles que pedem um registro. A cada intercorrência ele é acionado. Como quando o chamaram para resgatar um drone de um guia caiu numa área de difícil acesso, durante esta entrevista.

Tony também é conhecido conhecido como cuidador da floresta. De forma voluntária, recolhe todo lixo que encontra pela trilha em suas subidas, notifica os órgãos responsáveis e ajuda visitantes em caso de ocorrências na mata. Ele ainda auxilia grupos que levam cadeirantes até o topo.

"Quem conhece sabe o quanto ele agrega na montanha, fazendo limpeza de forma 100% voluntária. Ele ama a Pedra da Gávea assim como eu", afirma o montanhista Thiago Laranjeira.

Um escalador está subindo uma rocha íngreme em uma montanha. Ele usa um equipamento de escalada e carrega uma mochila nas costas. Ao fundo, há uma paisagem montanhosa com vegetação densa e várias camadas de montanhas ao longe, sob um céu claro.
Tony Curtição, como é conhecido o ambulante, faz escalada e rapel para chegar ao topo onde comercializa seus sacolés - Eduardo Anizelli/Folhapress

Além dos admiradores, o vendedor conquista uma legião de clientes que se dizem "salvos" pela oportunidade de se refrescar no fim da jornada na Gávea. "Ele já salvou porque eu subi só com uma garrafa de água. Além de repor, ainda tive esse geladinho aqui", disse o turista Diogo dos Santos, degustando o sacolé.

Tony faz o próprio produto. Prepara um estoque nos dias em que não sobe a trilha para encher os quatro coolers da mercadoria que carrega nas caminhadas.

A meta agora, diz ele, é juntar dinheiro para montar uma distribuidora de açaí, o sabor carro-chefe dos seus sacolés.

"Sei que não vou poder fazer isso aqui [subir a trilha] para sempre. Então, tenho que ter uma outra renda", afirma Tony, que mora de aluguel no morro do Banco, no Itanhangá, na zona oeste da capital fluminense, e trabalha para comprar uma casa própria no Rio.

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