Descrição de chapéu Cracolândia

Ricardo Nunes vai repassar R$ 527 mil ao mês para manter Liceu aberto

Sob argumento de salvar colégio histórico, prefeito inaugura terceirização do ensino fundamental na cidade

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São Paulo

Para evitar o fechamento do colégio Liceu Coração de Jesus, a gestão Ricardo Nunes (MDB) assinou um convênio que prevê o repasse mensal de R$ 527 mil para manter as atividades escolares no local. Com o contrato, a prefeitura inaugura na cidade o modelo de gestão terceirizada para o ensino fundamental.

A assinatura do convênio foi publicada no Diário Oficial em 31 de dezembro e prevê o pagamento de R$ 388,3 mil por mês para que o colégio ofereça 250 vagas de educação infantil e outras 250 para os anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) —todas as matrículas serão em tempo integral.

O contrato, com duração de cinco anos, prevê ainda que a prefeitura irá pagar R$ 139,4 mil ao mês de aluguel pelo espaço. Os 500 alunos serão matriculados já para o ano letivo de 2023.

Para evitar o fechamento do Liceu Coração de Jesus, Ricardo Nunes fechou convênio com o colégio
Para evitar o fechamento do Liceu Coração de Jesus, Ricardo Nunes fechou convênio com o colégio - Mathilde Missioneiro 17.ago.22/Folhapress

O fechamento do Liceu foi anunciado pelos padres que gerem a escola, em agosto do ano passado, após 137 anos de funcionamento. Instalado nas proximidades da cracolândia, o colégio sofre há décadas com a falta de segurança e não conseguia atrair novos alunos para manter as atividades.

O anúncio do fim do colégio teve repercussão negativa para Nunes, que defende ter enfraquecido a cracolândia com a política de dispersão do fluxo —como é chamado a concentração de usuários. O fechamento agravaria a situação de abandono do centro de São Paulo, em um momento em que o prefeito tenta atrair mais empresas e pessoas para a região.

Assim, Nunes anunciou que faria o convênio com o Liceu para manter as atividades escolares no local. A proposta também vai ao encontro de outra política defendida pelo prefeito, a gestão terceirizada das escolas.

Atualmente, convênios com organizações sociais só ocorrem na educação infantil, com as creches —modelo que já motivou investigações da Polícia Civil, da Polícia Federal e do Ministério Público. Em junho, a vereadora Cris Monteiro (Novo) apresentou uma proposta para que o modelo pudesse ser aplicado também em escolas de ensino fundamental e médio, mas o projeto sofreu forte resistência de professores e especialistas da área.

O convênio com o Liceu foi feito sem consulta à comunidade escolar ou aprovação da Câmara Municipal, já que a prefeitura defende ter liberdade para contratar esse tipo de serviço.

Alguns especialistas consideram que o contrato é inconstitucional. O parágrafo primeiro do artigo 213 da Constituição diz que os recursos públicos só podem ser destinados a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas "quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública". Também diz que o poder público é "obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede".

Esse entendimento é reforçado pela lei do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que impede o uso de repasse dos recursos federais para escolas conveniadas no ensino fundamental.

Dessa forma, o repasse de mais de R$ 527 mil ao mês para o Liceu terá que ser custeado exclusivamente pelo Tesouro Municipal. Segundo a SME (Secretaria Municipal de Educação), esse recurso sairá do orçamento da pasta reservado para o pagamento de entidades parceiras.

Para Fernando Cássio, professor de políticas pública da UFABC (Universidade Federal do ABC), o contrato com o Liceu precisa ser investigado.

"O município está custeando 250 matrículas do ensino fundamental, abrindo mão de receber recursos do Fundeb para essas vagas. Se São Paulo tem dinheiro sobrando, deveria usar esse recurso para melhorar a infraestrutura das suas escolas, a qualidade do ensino que oferece", diz Cássio, que integra a REPU (Rede Escola Pública e Universidade).

Segundo a SME, as vagas contratadas no Liceu são públicas e os alunos serão matriculados como nas demais escolas da rede, ou seja, pelo critério de localização de onde moram. O colégio continua sendo gerido pelos padres salesianos e todo o quadro de professores e funcionários será contratado pela entidade.

Questionada pela Folha sobre a possibilidade de o colégio manter o caráter religioso nas atividades escolares, a pasta disse apenas que a unidade precisa "trabalhar com o currículo da cidade de São Paulo em seu projeto pedagógico".

Após a publicação da reportagem, o vereador Celso Gianazzi (PSOL) entrou com uma representação no Ministério Público e no TCM (Tribunal de Contas do Município) pedindo a anulação do contrato com o Liceu.

No documento, Gianazzi diz que "resta nítido o caráter inconstitucional e ilegal" do convênio já que não há falta de vagas nessa etapa de ensino na cidade. Ele também defende que a prefeitura infringiu o princípio a legalidade" por não ter feito consulta à comunidade escolar, desrespeitando assim a gestão democrática do ensino público prevista pela Constituição Federal.

HISTÓRICO DO LICEU CORAÇÃO DE JESUS

  • Fundado em 1885, tinha como missão a educação de jovens de baixa renda
  • Seus primeiros alunos foram filhos de escravos e de imigrantes italianos
  • Em 1924, o prédio foi atingido por um dos bombardeios lançados à antiga sede do Governo de São Paulo durante a Revolta Paulista
  • Foi a primeira instituição paulistana a oferecer ensino médio noturno
  • Em 2021, tinha 233 alunos matriculados em turmas do ensino fundamental e 43 no ensino médio, segundo o Censo Escolar
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