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Definir ciclo do sono pelo ChatGPT ganha adeptos, mas médicos questionam eficácia

Especialistas alertam para problemas que podem surgir com o despertar forçado ao fim de etapa de sono

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São Paulo

Durante uma noite, o ser humano tem em média de cinco a seis ciclos de sono. Cada um com, aproximadamente, 90 minutos. No entanto, uma técnica têm viralizado nas redes para "burlar" os ciclos e programar, com ajuda da inteligência artificial, o celular para despertar exatamente no fim de uma dessas etapas.

Os usuários adeptos do método afirmam em redes como o X (antigo Twitter) e o TikTok que nem sempre dormir o máximo possível é a melhor opção. "Você pode ter dormido três horas numa noite, mas se acordar durante a troca do ciclo, você acorda bem", é o que afirma uma influencer da rede de vídeos em uma publicação com mais de 300 mil curtidas.

Jovem dormindo em cama com lençois e cobertores brancos enquanto abraça um travesseiro.
Calcular ciclo do sono não tem recomendação científica, segundo especialistas - New Africa/Adobe Stock

Nos vídeos compartilhados, os usuários da técnica pedem para o ChatGPT, plataforma de inteligência artificial, definir o horário de término dos próximos ciclos já na cama, prestes a dormir, com base no horário em que pretendem entrar no sono.

Especialistas no assunto discordam da eficácia da prática. Despertar mecanicamente ao fim de cada ciclo é uma técnica ainda pouco estudada, segundo Giuliana Macedo, neurologista especialista em medicina do sono e membro da ABS (Associação Brasileira do Sono). "Existe um ritmo de dia, noite, claro e escuro que o organismo se acostuma, se não existir uma regularidade de horários ao longo da semana, vira uma bagunça", afirma.

Para ela, inclusive, se programar para acordar no final do terceiro ciclo pode ser pior do que fazer quatro ciclos. "Esse raciocínio de que é melhor fechar o ciclo desconsidera outras questões, como a continuidade, o tempo e a qualidade do sono", afirma Macedo.

O chamado ciclo do sono é dividido em dois grandes estágios: o REM e o não REM —este segundo é subdividido em outros três estágios: N1 (o mais leve), N2 (um subestágio) e o N3 (o mais profundo da noite).

A duração de cada ciclo depende da idade, mas fica na média dos 70 e 110 minutos. Toda noite, os sonos começam no estágio não REM e, ao finalizá-lo, o corpo começa o REM. "E costumamos repetir essa sequência de quatro a seis vezes", explica Macedo.

No início do sono, há mais ciclos REM na primeira metade, por isso, tentar acordar numa projeção de fim de ciclo, pode atrapalhar. Além disso, despertar naturalmente, sem despertador, não significa acordar disposto e no final de um ciclo de REM ou não REM.

"Quando a gente acorda espontaneamente, descansado, que não tem compromisso, de uma noite de sono, é comum acordarmos próximos ao último REM, no final do ciclo, mas isso não é uma regra", diz a especialista.

Algumas condições como insônia, ronco e bruxismo podem afetar a sequência desses ciclos, porque impedem o sono com profundidade.

Tentar calcular a hora de acordar de acordo com o fim dessa etapa, inclusive, pode piorar questões de insônia e distúrbios de sono. "Ficar despertando ao final de um ciclo pode deixar o paciente alerta, preocupado em acordar naquele horário e acabando com a fisiologia normal do sono", afirma Macedo.

E a idade interfere na hora e estágios necessários, como o REM, predominante na segunda metade da noite, que é mais intenso e mais potente nas crianças e adolescentes que estão em faixa de crescimento e ajuda na consolidação da memória.

"O estágio REM tem uma função de consolidar a memória. Então, tudo que você aprende no decorrer do dia, se você faz pouco REM, você consolida menos a memória. E com a diminuição dos ciclos, essa capacidade é prejudicada", diz.

Outros problemas, lembrados por ela, ainda podem ser associados com noites mal dormidas, como é o caso de demência e Alzheimer, afirma Macedo. "Sono não pode ser cronometrado, quanto mais você tenta dormir, se a pessoa tiver dificuldade de dormir, mais insônia ela tem."

Os depoimentos da internet não podem ser sempre considerados, segundo a especialista. "Avaliar a qualidade do sono num ciclo numa noite é muito perigoso. Talvez a pessoa tenha um ato já de dormir só tantas horas. Aquilo ali basta para ela e coincidiu com o programado por IA, então ela vai acordar bem", diz.

Dados do Google Trends mostram que o assunto atiçou a curiosidade dos brasileiros tanto que, nos dias 22 e 25 deste mês, o ciclo do sono atingiu um pico de buscas, estando entre as principais tendências de pesquisas diárias e registrando mais de 5.000 consultas quando viralizou o termo nas redes sociais.

Como dormir bem?

A curiosidade do brasileiro sobre como dormir bem não é de hoje. Em setembro do ano passado, uma pesquisa mostrou que a busca por "dormir" e "sono" aumentaram em 130% nos últimos anos no Brasil

Para uma pessoa ter um sono de qualidade, ela precisa entender quantas horas necessita para descansar. E o indicado é que esse cálculo seja feito com o despertar espontâneo em dias que não seja necessário acordar com despertadores, como durante as férias.

"Às vezes no fim de semana a pessoa dorme mais do que precisa por conta da privação do sono durante a semana, então o indicado é calcular quando o corpo acorda espontaneamente em períodos como férias", afirma Macedo.

Técnicas como a higiene do sono também podem ser aliadas na hora de dormir, como a diminuição da exposição à telas e baixa luminosidade dentro do ambiente de descanso.

Médico psiquiatra do Asono (Ambulatório do Sono) do HC da USP, Daniel Suzuki Borges afirma que utilizar uma roupa confortável e praticar uma atividade relaxante como leitura, também são recomendações para um sono de qualidade.

"O que faz mal é dormir menos do que você precisa, agora artificializar para acordar ao fim de um ciclo, sendo que há a oportunidade de acordar um pouco mais tarde, isso faz mal", diz.

Para isso, ele alerta também para que o paciente se programe, se possível, para dormir o necessário, o que, na visão dele, é melhor que cronometrar ciclo do sono.

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