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Sem testes para coronavírus, governo pode obrigar população a escolha terrível

Brasil tem feito o inverso da Coreia do Sul, país que melhor gerenciou a crise causada pela pandemia até o momento

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São Paulo

O Ministério da Saúde esperou que a transmissão do coronavírus se tornasse comunitária no Brasil para anunciar no sábado (21) que começará a distribuir, ainda daqui a uma semana, 5 milhões de kits para ampliar o número de testes.

Os testes no país ainda estão na casa dos poucos milhares e, até lá, será impossível ter uma amostra significativa de infectados ou não —e onde eles se encontram. Hoje, com atividades essenciais liberadas, um policial ou caixa de supermercado com quadro assintomático pode estar transmitindo a doença.

O Brasil tem feito exatamente o inverso do país que melhor gerenciou a crise até agora, tanto em termos de contenção da epidemia quanto em modular seus efeitos sobre a economia.

Cidade de São Paulo fica vazia por causa da pandemia do coronavírus. Pouco veículos circulam pela avenida 23 de Maio, na zona sul
Cidade de São Paulo fica vazia por causa da pandemia do coronavírus. Pouco veículos circulam pela avenida 23 de Maio, na zona sul - Eduardo Knapp - 22.mar.2020/Folhapress

Desde a chegada da Covid-19 na Coreia do Sul, mais de 270 mil pessoas foram testadas para o vírus em 633 pontos (incluindo “drive-thrus”) com capacidade de 20 mil testes diários.

Depois de ter inserido uma espécie de cotonete no nariz, elas baixam um aplicativo no celular e são avisadas mais tarde sobre os resultados.

Os coreanos positivos para a Covid-19 ficam isolados em casa e só vão para o hospital se tiverem problemas respiratórios graves, onde já chegam com leitos reservados.

Os negativos não são submetidos a restrições draconianas de circulação e trabalho e podem visualizar, em tempo real, onde há novos casos por meio de um mapa nos celulares.

Com isso, a economia da Coreia não tem sofrido tanto. Com muitos testes, a China também conseguiu manter ativas várias regiões, fechando epicentros da epidemia.

Com o isolamento humano indiscriminado no Brasil, em breve muitos talvez tenham de enfrentar uma escolha terrível: sair de casa para tentar ganhar algum dinheiro ou entrar em desespero pela falta do básico, sobretudo de comida.

Dada a dimensão da miséria brasileira, um cenário de algum caos social, com episódios de saques, não é implausível nas grandes cidades se as pessoas não tiverem meios e se a sociedade não se mobilizar de maneira inédita para ajudá-las.

Entre os 38,3 milhões de informais no país, a renda média pode cair de cerca de R$ 1.400 para quase nada.

Os R$ 200 que o governo quer fazer chegar até eles equivalem a um sétimo do que ganham. A promessa de encontrá-los por meio do Cadastro Único da Caixa Economia Federal esbarra em uma lista com mais de 20% de endereços desatualizados.

Não é forçada, no Brasil, a imagem de que se vende o almoço para pagar o jantar. Um telejornal mostrou famílias de uma favela no Rio sem dinheiro para comprar um pedaço de sabão.

Cerca de 55% dos empregos estão em micro e pequenas empresas e, com a suspensão das aulas, crianças pobres não estão comendo na escola.

A Covid-19 tende a terminar quando boa parte da população infectada ganhar imunidade, reduzindo a circulação do vírus, ou se uma vacina for criada. O isolamento social para retardar a propagação serve para evitar o colapso dos hospitais. Mas também é pouco provável que o “achatamento da curva” de infecções ajude muito o Brasil a ter UTIs suficientes.

O padrão nos epicentros da crise tem sido o uso de 2,4 leitos por 10 mil habitantes. O Brasil chega a 2,1. Embora haja um esforço para ampliar essa capacidade com o cancelamento em massa de cirurgias eletivas, 95% dos leitos públicos de UTI e 80% dos privados já viviam ocupados antes da epidemia.

No fundo, a terrível escolha que milhares poderão ter de fazer —correr o risco de infecção ou não ter o que comer— é consequência da preparação indigente que o governo de Jair Bolsonaro fez para a epidemia, sobretudo para testar a população e atenuar seus efeitos econômicos.

Ao negar sua gravidade até o fim, o presidente é muito responsável pelo que vem por ai.

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