Vivemos crise de atenção e precisamos reencontrar o foco, diz escritor

Para Johann Hari, é preciso rebelião para enfrentar o problema, que é coletivo

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Casey Schwartz
The New York Times

O trabalhador americano típico se concentra em uma determinada tarefa por apenas três minutos. A cada dia, tocamos ou verificamos nossos celulares mais de 2.000 vezes, e passamos mais de três horas olhando para eles, em média.

É o que diz Johann Hari, um escritor que já discorreu sobre depressão e sobre vícios em trabalhos anteriores, no seu novo livro, "Stolen Focus" (foco roubado, em português). O trabalho é uma investigação sobre os motivos para que tenhamos nos deixado levar a esse estado de distração –que Hari descreve como "uma crise de atenção".

Alguns fatores que Hari identifica parecem bastante claros, como o atual modelo de negócios das grandes empresas de tecnologia, que ganham dinheiro em proporção direta à atenção que as pessoas lhes dedicam.

Outros fatores que ele identifica costumam ser menos discutidos, e variam do que comemos (alimentos industrializados repletos de carboidratos refinados) à forma pela qual dormimos (de acordo com alguns relatos, por muito menos tempo do que costumávamos), passando pela natureza da infância nos Estados Unidos, com sua perda generalizada de autonomia.

A cada dia, tocamos ou verificamos nossos celulares mais de 2.000 vezes, e passamos mais de três horas olhando para eles, em média - Redpixel - stock.adobe.com

Hari apela por uma "rebelião da atenção", uma drástica ação coletiva com o objetivo de provocar mudanças drásticas, o que incluiria reduzir a jornada semanal de trabalho a quatro dias e permitir que as crianças brinquem livremente, sem supervisão, por muito mais tempo.

Abaixo, condensada e editada para fins de clareza, está uma recente conversa com Hari sobre o que será preciso fazer para retomarmos o controle de nossas mentes.

Você vê uma conexão entre os tópicos de seus três livros –depressão, vícios e atenção? Existe sempre um mistério em minha cabeça que eu desejo genuinamente investigar. Com este livro, senti que minha atenção estava piorando.

Coisas que exigiam um foco profundo, e que sempre tiveram posição central no meu eu, como ler livros e manter conversas profundas, estavam se tornando cada vez mais parecidas com uma tentativa de subir por uma escada rolante que desce. Eu continuava capaz de fazê-las, mas a dificuldade era cada vez maior. E eu percebia a mesma coisa acontecendo com a maioria das pessoas que conheço.

Também acredito que exista uma conexão mais profunda. No caso de cada um desses fenômenos –depressão, vícios e nossa crise de atenção–, nós os vemos como primordialmente problemas individuais, falhas individuais. Mas na verdade se trata de fenômenos que estão acontecendo dentro de um determinado ambiente.

Como me disse Joel Nigg, professor de psiquiatria que é um dos principais especialistas nos problemas de atenção das crianças, precisamos questionar e estamos enfrentando o que ele define como "uma cultura atencional patogênica", uma cultura que está solapando a capacidade de cada um de nós para manter o foco.

E quanto à pandemia? Como é que os acontecimentos dos dois últimos anos contribuíram para o nosso senso de foco fraturado? A pandemia nos tornou mais estressados, e sabemos que o estresse deflagra um estado conhecido como vigilância –e vigilância é quando você encontra mais dificuldade para se concentrar porque sua mente está o tempo todo vasculhando o horizonte em busca de perigos.

A outra coisa é que a pandemia está nos dando uma visão distópica de futuro. Como argumenta Naomi Klein, subitamente nos vimos arremessados a um ponto em que só teríamos chegado daqui a 15 anos, em termos de tecnologia.

A situação nos mostrou uma visão de futuro que muitos de nós odiaram. Nos dois últimos anos, não ouvi pessoa alguma dizer "oba, mais uma conversa por Zoom". Ou seja, a situação nos ofereceu uma visão do futuro rumo ao qual estamos caminhando, e agora podemos escolher conscientemente abandoná-lo e avançar na direção se um futuro melhor.

Com relação a isso, há pessoas, como o escritor e especialista em tecnologia Nir Eyal, que dizem que precisamos prestar contas individualmente por nossa falta de disciplina quanto ao tempo passado diante das telas, em lugar de culpar a tecnologia por nossa propensão a nos distrairmos. Você define isso como "otimismo cruel", e explica essa definição como "uma solução que parece boa, mas não vai funcionar". No começo da pesquisa para o livro, eu tinha essencialmente duas histórias sobre o que aconteceu, no meu caso. Eu ficava matutando que "um, você não tem força de vontade, e dois, alguém inventou o smartphone".

Decidi exercer minha força de vontade e funcionar sem o smartphone por três meses. Passei três meses em Provincetown, Massachusetts, completamente offline, em um exercício radical de vontade. Houve muitos altos e baixos, mas fiquei espantado com o quanto recuperei de atenção. Voltei a ser capaz de ler livros durante oito horas por dia.

No final de minha estadia lá, pensei que "jamais voltarei a viver da maneira que vivia antes". Os prazeres de manter o foco são muito maiores do que as recompensas dos "likes" e dos tuítes.

Mas aí voltei a usar meu celular e, em poucos meses, eu estava 80% de volta à situação em que comecei o exercício. E só compreendi realmente o motivo ao entrevistar James Williams, que em minha opinião é o mais importante filósofo que estuda a questão da atenção, hoje no planeta, e ele me disse que "foi como se você tivesse imaginado que a solução para a poluição do ar no planeta era que você usasse uma máscara contra gás".

Não tenho objeções às máscaras contra gás. As máscaras contra gás são ótimas. Mas não são a solução para o problema da poluição do ar.

Se deixar de lado a tecnologia por um período de tempo prolongado não é a resposta, quais foram algumas das técnicas que lhe pareceram eficientes, em nível individual? Estou dormindo mais, por pelo menos oito horas. Tenho uma caixa com uma fechadura acionada por relógio, e guardo meu celular nela durante quatro horas por dia, enquanto escrevo. E não me sento para assistir a um filme com meu namorado a não ser que os dois tranquemos nossos telefones.

Existem pessoas que argumentam que se preocupar com a influência das grandes empresas de tecnologia sobre a nossa atenção é só o mais recente pânico moral, algo parecido com a indignação com que a invenção das máquinas de impressão foi recebida. Qual é sua resposta a esse argumento? Eu costumava concordar que esse era o caso. Mas agora acho que as provas são realmente esmagadoras —e creio que a maioria das pessoas seja capaz de perceber o fato.

E a questão também é urgente porque muitos dos fatores que estão invadindo nossa atenção estão a ponto de passar por uma imensa aceleração. Pense em até que ponto o TikTok é mais viciante do que o Facebook.

É preciso haver um movimento do lado oposto, envolvendo todas as pessoas que dizem "não, não permitiremos que vocês façam isso conosco. Queremos uma vida na qual possamos ler livros. Queremos ter uma vida na qual nossos filhos sejam capazes de conversar".

Pessoas usam celular em estação de metrô em São Paulo - Danilo Verpa - 25.jul.2018/Folhapress

Estamos diante da primeira sociedade na história humana que tentou fazer com que crianças parem quietas por oito horas ao dia. Ninguém tinha feito isso até agora porque é uma coisa absolutamente idiota de se fazer

Johann Hari

escritor

Quanto a isso, o número de diagnósticos por deficiência de atenção disparou, do começo do século para cá. Há cerca de seis milhões de crianças nos Estados Unidos que receberam diagnósticos de deficiência de atenção, hoje. Mas você aponta para algumas ambiguidades quanto ao tema –não há acordo entre os pesquisadores no sentido de que a deficiência de atenção seja uma "doença biológica". De todos os tópicos do livro, foi quanto a este que os cientistas que entrevistei mais discordaram. Há provas bastante claras de que existem pessoas cujos genes tornam mais provável uma deficiência de atenção.

Mas a proporção de pessoas cujos problemas de atenção são causados pela biologia vem sendo um tanto superestimada. Estamos diante da primeira sociedade na história humana que tentou fazer com que crianças parem quietas por oito horas ao dia. Ninguém tinha feito isso até agora porque é uma coisa absolutamente idiota de se fazer.

Por isso, acredito que o diagnóstico de deficiência de atenção possa ter um lado bom, porque diz às crianças que "isso não é sua culpa". Mas acho prejudicial lhes dar uma história exclusivamente biológica, dizendo que "isso é apenas um problema em sua mente".

Sua solução para tudo isso é criar uma "rebelião pela atenção". Como ela funcionaria? O primeiro passo é a conscientização. É que todos se unam e digam que "você acredita estar fracassando por falta de foco, mas na verdade a mesma coisa está acontecendo com todos nós, e por grandes motivos estruturais".

Tradução de Paulo Migliacci

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