Governadores têm até 8 secretários de saúde na pandemia

Desgaste político e denúncias contribuíram para troca de secretários, aponta estudo

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Salvador

A alta rotatividade de gestores registrada no Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro (PL) se repetiu nas secretarias estaduais de saúde desde o início da pandemia, com impacto nas políticas públicas de combate à Covid-19.

É o que aponta um estudo, realizado com dados da FGV, coordenado pelas pesquisadoras Lorena Barberia, da USP, Luciana Santana, da Universidade Federal de Alagoas, e Iana Alves, da FGV.

O estudo mapeou as trocas de secretários de saúde nos estados entre janeiro de 2020 e março de 2022. Ao todo, governadores realizaram 30 mudanças de secretários no período, chegando a sete trocas em alguns estados. No âmbito federal, foram quatro ministros da Saúde.

Trabalhadores transportam paciente com sintomas de Covid-19 no Hospital 28 de Agosto, em Manaus - Bruno Kelly/Reuters

"Identificamos uma alta rotatividade de secretários de Saúde, especialmente no momento mais delicado da pandemia. Alguns estados viveram uma situação extremamente problemática no encaminhamento e continuidade das políticas públicas", afirma Luciana Santana, da Universidade Federal de Alagoas.

Ele ainda destaca que, caso os governos tivessem uma gestão mais permanente, com menor rotatividade, os gestores teriam condições de mobilizar equipes para pensar e pôr em prática políticas públicas mais efetivas de combate à pandemia.

Em Roraima, Antônio Denarium (PP) teve oito secretários estaduais de Saúde nos últimos dois anos, com uma média de quatro meses de gestão para cada um. O governador foi eleito em 2018 em meio à onda bolsonarista e segue um fiel aliado do presidente.

Na pandemia, equilibrou-se entre a adoção de medidas restritivas para evitar a disseminação do vírus e o alinhamento às pautas bolsonaristas. Em fevereiro do ano passado, chegou a propor a isenção tributos para remédios sem eficácia para Covid-19, como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina.

Somente nos seis primeiros meses de 2020, período que marcou o início da pandemia, Denarium teve cinco diferentes secretários de Saúde em seu governo.

A primeira secretária saiu em meio a acusações de má gestão da pasta que resultaram em denúncias de crimes de improbidade e advocacia administrativa. O substituto deixou o cargo um mês depois.

O terceiro secretário foi exonerado em maio após uma polêmica envolvendo o preço e o pagamento adiantado de respiradores sem licitação. O quarto deixou o cargo em junho após a recusa do governador em solicitar intervenção federal na saúde do estado.

Em nota, o Governo de Roraima disse que as mudanças fazem parte da rotina da administração pública e que, no caso da saúde, as mudanças visaram ajustar o fluxo e a resposta para a população em função da pandemia.

Outro estado com grande rotatividade de secretários foi o Rio de Janeiro, onde o então governador Wilson Witzel (PSC) perdeu o cargo em um processo de impeachment que teve como base a Operação Placebo, deflagrada pela Polícia Federal para investigar desvios na saúde.

Ao todo, foram cinco secretários de Saúde nos últimos dois anos. O primeiro exonerado foi Edmar Santos, que deixou o cargo maio de 2020 após a eclosão da operação da PF que identificou supostas fraudes em contratos na pasta da Saúde. Na época, ele negou as acusações.

Outros demais secretários deixaram o cargo por questões pessoais ou em meio a desgaste político na relação com o então governador Wilson Witzel e, depois, com o atual governador Cláudio Castro (PL), que assumiu o mandato em definitivo em maio do ano passado.

O estado do Amazonas, que viu o sistema de Saúde colapsar em janeiro do ano passado com pacientes morrendo por falta de oxigênio, teve ao longo da pandemia quatro secretários de Saúde nomeados pelo governador Wilson Lima (União Brasil).

Ao todo, 14 estados registraram mudanças de secretários de Saúde entre janeiro de 2020 e março de 2022. Dos 30 secretários que foram exonerados no período, metade saiu por desgaste político.

Outros nove foram alvos de denúncias de má gestão ou fraude, enquanto cinco deixaram os cargos por motivos pessoais. Apenas um secretário estadual saiu em 2020 para concorrer nas eleições municipais.

Além dos 30 secretários que deixaram os cargos até março, mais dez secretários estaduais deixaram os cargos ao longo da última semana, para disputar as eleições de outubro.

No geral, foram secretários que se mantiveram no cargo durante toda e pandemia, ganharam musculatura política e aproveitaram a vitrine para concorrer em outubro a mandatos legislativos.

Foi o caso, por exemplo, de Carlos Lula, ex-secretário de Saúde do Maranhão e ex-presidente Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). Ele será candidato a deputado estadual pelo PSB.

A pesquisadora Iana Alves, da FGV, destaca o caráter atípico da alta rotatividade dos secretários de Saúde do período da pandemia. Desde a redemocratização, a média dos governadores era de dois ou três secretários de Saúde por mandato.

Ela credita a alta rotatividade ao acirramento de tensões em um período de crise, com desgastes políticos e diferenças de pontos de vista entre governadores e secretários na condução das políticas de enfrentamento à pandemia.

A cientista política Lorena Barberia, professora da USP e coordenadora científica da Rede de Pesquisa, afirma que a falta de uma gestão nacional da pandemia pelo governo federal fez com secretários estaduais ganhassem protagonismo e assumissem novas funções no combate a pandemia.

"A falta de uma coordenação do Ministério da Saúde fez com que as estratégias ficassem em um nível descentralizado", destaca a pesquisadora, lembrando que estados tiveram que, por conta própria, comprar respiradores e instalar hospitais de campanha para atender aos pacientes graves de Covid-19.

A estratégia se distinguiu de outros momentos de crises sanitárias nas quais o Brasil enfrentou com maior harmonia, mesmo em contextos de crise na relação entre União e estados.

O estudo também pesquisou o perfil dos secretários estaduais de Saúde e identificou que a maioria eram profissionais com especialização em gestão, experiência com saúde pública ou ambos.

Por outro lado, ainda é pequena a presença de mulheres nos cargos de comando da saúde nos estados. Atualmente, apenas cinco estados têm mulheres como secretárias de Saúde: Bahia, Rio Grande do Sul, Acre, Sergipe e Roraima.

"É algo difícil de compreender porque as mulheres são a maioria da força de trabalho na área de saúde", diz Lorena Barberia.

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