Descrição de chapéu The New York Times

O que a gravidez e o parto fazem com os corpos das meninas

Parteiras e médicos de países onde a gravidez é comum em adolescentes alertam para o preço brutal da gestação e do parto em uma criança

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Stephanie Nolen
The New York Times

Depois que o relato de uma menina de 10 anos de Ohio (EUA) que cruzou fronteiras estaduais para fazer um aborto chamou a atenção nacional na semana passada, alguns proeminentes opositores do aborto sugeriram que a criança deveria ter levado a gravidez a termo.

Mas parteiras e médicos que trabalham em países onde a gravidez é comum em adolescentes dizem que aqueles que pressionam para que meninas muito jovens levem a gravidez a termo talvez não entendam o preço brutal da gestação e do parto no corpo de uma criança.

Radiografia de uma menina de 10 anos; médicos dizem que um problema crítico de saúde é que a pélvis de uma criança é muito pequena para permitir a passagem de até mesmo um feto pequeno - NYT

"Seus corpos não estão prontos para o parto, é muito traumático", disse Marie Bass Gomez, parteira e enfermeira sênior na clínica de saúde reprodutiva e infantil do Hospital de Saúde Materno-Infantil de Bundung, na Gâmbia (oeste da África).

A questão crítica é que a pélvis de uma criança é muito pequena para permitir a passagem de até mesmo um feto pequeno, disse o doutor Ashok Dyalchand, que trabalha com adolescentes grávidas em comunidades de baixa renda na Índia há mais de 40 anos.

"Elas têm trabalho de parto prolongado, parto obstruído, o feto pressiona a bexiga e a uretra", às vezes causando doença inflamatória pélvica e ruptura do tecido entre a vagina e a bexiga e o reto, disse ele. Dyalchand chefia uma organização de saúde pública chamada Institute of Health Management Pachod, que atende comunidades marginalizadas no centro da Índia.

"É uma situação patética, especialmente para meninas com menos de 15 anos", acrescentou ele. "As complicações, a morbidade e a mortalidade são muito maiores em meninas com menos de 15 anos do que nas de 16 a 19 anos, embora estas tenham uma mortalidade duas vezes maior do que mulheres de 20 anos ou mais."

O fenômeno de meninas que têm bebês é relativamente raro nos Estados Unidos. Em 2017, o último ano sobre o qual havia dados disponíveis, houve 4.460 gestações entre meninas menores de 15 anos, com pouco menos da metade terminando em aborto, de acordo com o Instituto Guttmacher, que apoia o direito ao aborto e supervisiona regularmente as clínicas.

Globalmente, as complicações relacionadas à gravidez e ao parto são a principal causa de morte de meninas de 15 a 19 anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

A idade materna jovem está associada a um risco aumentado de anemia materna, infecções, eclâmpsia e pré-eclâmpsia, parto cesáreo de emergência e depressão pós-parto, de acordo com uma avaliação de 2014 publicada no Journal of Neonatal-Perinatal Medicine.

Os bebês nascidos de meninas são mais frequentemente prematuros e têm baixo peso ao nascer, disse o doutor Willibald Zeck, coordenador de saúde materna e neonatal do Fundo de População das Nações Unidas, que frequentemente fez partos de mães jovens enquanto trabalhava como ginecologista na Tanzânia e mais tarde supervisionou programas de saúde materna no Nepal e nas Filipinas.

Enquanto uma grávida de 10 anos em Ohio pode ter acesso a cuidados pré-natais e uma cesariana que atenuaria os efeitos do trabalho de parto obstruído, a experiência da gravidez em uma jovem é a mesma na Índia e nos Estados Unidos, disse Dyalchand. "As meninas passariam mais ou menos exatamente pelo mesmo tipo de complicação: a única diferença é que, devido ao acesso a melhores cuidados de saúde, elas podem não ter o mesmo tipo de resultados terríveis. Mas isso não significa que o corpo da garota e sua vida não fiquem marcados."

O doutor Shershah Syed, ginecologista e especialista em mortalidade materna no Paquistão, atende regularmente meninas grávidas de apenas 11 anos. Ele disse que um bom atendimento pré-natal pode evitar o desenvolvimento de um orifício entre a parede da bexiga ou do reto e a vagina, chamado fístula, que causa vazamentos de urina ou fezes dolorosos (a urina vazada causa feridas ardentes) e também é uma fonte de enorme vergonha e humilhação.

Nem mesmo um bom pré-natal pode prevenir a hipertensão ou infecções do trato urinário que são comuns em mães muito jovens, disse ele.

"Na fisiologia normal, uma criança de 10 anos não deveria engravidar. O ponto é que ela é uma criança, e a criança não pode dar à luz, ela não está pronta", disse Syed, acrescentando: "E a tortura mental pela qual ela passará é incomensurável."

Nos casos vistos por ele, a gravidez precoce interrompe o crescimento físico da mãe muito jovem e também muitas vezes seu desenvolvimento mental, porque muitas meninas abandonam a escola e perdem a interação social normal com os colegas, disse ele. Enquanto uma mãe anêmica se esforça para carregar a gravidez, os fetos apropriam-se de nutrientes e continuam a crescer, até ultrapassarem bastante o que a pélvis de uma jovem mãe pode fornecer.

"Elas entram em trabalho de parto por três, quatro, cinco dias, e depois disso geralmente o bebê está morto. Então, quando a cabeça entra em colapso, o bebê nasce", disse Syed, que é um dos maiores especialistas do sul da Ásia no reparo de fístula obstétrica, um resultado comum de parto obstruído em meninas grávidas.

Em quase todos esses casos, a menina desenvolveu fístula vesicovaginal, um orifício entre a parede da bexiga e a vagina. Em um quarto dos casos, o trabalho de parto prolongado também causa fístula do reto, de modo que a menina vaza constantemente urina e fezes.

Se as portadoras de fístula souberem que o tratamento está disponível e se dirigirem à sua clínica, Syed disse que pode curar o problema. Mas o processo requer uma longa recuperação: a fístula da bexiga leva cerca de cinco semanas para cicatrizar, enquanto uma fístula retal precisa de quatro ou cinco meses.

Em 1978, Dyalchand começou sua carreira em saúde pública num pequeno hospital distrital na zona rural de Maharashtra, na costa oeste da Índia. Em sua primeira semana, duas jovens grávidas sangraram até a morte —uma em trabalho de parto, a outra na entrada do hospital, antes mesmo da internação. Isso o lançou numa longa carreira de trabalho com comunidades para convencê-las a adiar a idade do casamento e da primeira concepção em meninas.

Essa intervenção teve um sucesso considerável e, como observou Dyalchand, a Índia também vem expandindo constantemente o acesso ao aborto. O procedimento é legal até a 24ª semana de gestação.

Na Gâmbia, Bass Gomez disse que sua clínica é capaz de oferecer bons cuidados pré-natais a meninas grávidas, mas isso pouco serve para atenuar o trauma maior da experiência. Sua clínica é projetada para atender adultas, disse ela.

"Mas quando você tem uma criança que entra, também grávida, é realmente traumatizante para a criança", disse ela. "Não é confortável, aquele ambiente não é feito para elas. Você pode ver que elas estão com dificuldades. Há muita vergonha e desgraça."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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