Descrição de chapéu câncer

A.C. Camargo recebeu terreno do governo de SP com a condição de atender SUS

Lei de 2012 prevê que, em caso de descumprimento, contrato será rescindido; segundo hospital, pacientes públicos deixarão de ser atendidos em dezembro

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São Paulo

Uma lei estadual publicada há dez anos condicionava a doação de um terreno de 5.621 m² para a Fundação Antonio Prudente, mantenedora do Hospital A.C. Camargo, à manutenção do atendimento permanente a pacientes do SUS, incluindo procedimentos de alta complexidade.

A Folha revelou nesta segunda que o hospital, com quase 70 anos de história em São Paulo, vai encerrar o atendimento SUS a partir de dezembro, quando vence o contrato anual com a Secretaria Municipal de Saúde. A principal razão é a defasagem da tabela do sistema público.

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Sala de espera do setor de quimioterapia do hospital A.C. Camargo, na capital paulista - Karime Xavier/Folhapress

A lei estadual, assinada pelo então governador Geraldo Alckmin (na época no PSDB, hoje no PSB) e publicada em 31 de agosto de 2012, diz no seu artigo 3º que "na escritura de alienação deverão constar cláusulas, termos e condições que assegurem a efetiva utilização do imóvel para o fim que ele se destina".

Em caso de descumprimento, "será o contrato rescindido independentemente de indenização por benfeitorias realizadas", diz o texto da lei. O terreno fica na rua Professor Antonio Prudente, 203, na Liberdade, zona central de São Paulo.

Em nota, o A.C. Camargo informa que o terreno doado pelo estado compõe o complexo hospitalar, que tem um total de 30 mil m².

No entendimento da instituição, a doação está condicionada ao atendimento SUS, mas não necessariamente por meio de um convênio nos moldes atuais, que prevê atendimento integral ao paciente.

"Estamos em tratativas para continuar os atendimentos ao SUS através de outras modalidades e parcerias, inclusive ampliando a abrangência geográfica", diz a nota.

O hospital informa ainda que a responsabilidade social é a razão de existir do A.C. Camargo, sendo que o seu resultado financeiro é totalmente reinvestido para a melhoria da oncologia nacional.

Essa melhoria, segundo a instituição, ocorre "por meio da formação de profissionais para todo o território brasileiro, condução de pesquisa que traz soluções para tornar o cuidado oncológico mais eficiente, mais custo-efetivo e mais acessível a todos, além de cuidar diretamente de pacientes com metodologias inovadoras no cenário nacional".

Questionada se o governo paulista pretende fazer valer o texto da lei ou fará algum tipo de acordo com a instituição para evitar o fim dos atendimentos SUS, a Secretaria de Estado da Saúde não respondeu.

Em nota enviada à Folha, a secretaria afirma que é fundamental a manutenção do atendimento aos pacientes do SUS no A.C. Camargo. "A assistência permanente, incluindo em alta complexidade, é a contrapartida da unidade à doação do terreno realizada pelo Estado em 2012 à Fundação Antônio Prudente, mantenedora do hospital."

A pasta também diz lamentar que "a insuficiência do financiamento da tabela SUS do governo federal resulte neste transtorno para a população de São Paulo".

"Diante deste subfinanciamento do Ministério da Saúde, o governo de SP já vem repassando recursos por meio de programas como o Mais Santas Casas para mais de 200 hospitais e ressalta que está à disposição para discutir estratégias para a manutenção dos atendimentos", diz a nota.

Pelo menos 1.500 dos 6.500 pacientes SUS já foram transferidos para outras instituições ligadas à gestão municipal. Outros 5.000 devem ser encaminhados até o fim do ano.

Para entidades que apoiam pacientes oncológicos, o fim dos atendimentos no A.C. poderá resultar no aumento de filas e no atraso de tratamento de câncer. Há pelo menos 3.000 pessoas aguardando atendimento oncológico nos Cacons (Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), reguladas pela plataforma Cross (Central de Regulação de Serviços de Saúde).

Inaugurado em 23 de abril de 1953, o A.C. Camargo foi o primeiro hospital da capital construído com doações da população e, ao longo dos anos, além da assistência de ponta se tornou uma referência internacional em ensino e pesquisa. O contrato com a Secretaria Municipal de Saúde vai até 9 dezembro deste ano.

Em 2021, a receita do SUS repassada ao A.C. Camargo foi de R$ 36 milhões e o hospital teve que injetar mais R$ 98,46 milhões, vindos dos atendimentos privados, para fechar as contas. A receita líquida da instituição em 2021 foi de R$ 1,32 bilhão.

Um exemplo da defasagem da tabela SUS. O Ministério da Saúde paga R$ 10 por uma consulta médica, enquanto os convênios, em média, R$ 100. Os valores das sessões de quimioterapia e radioterapia reembolsados pelo SUS são 94% e 71%, respectivamente, inferiores aos pagos pelos planos de saúde.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde diz que tem realizado reuniões para avaliar a possibilidade da continuidade da assistência por meio da parceria, porém, a instituição não aceitou nenhuma proposta até o momento.

Afirma que, por essa razão, em junho a pasta iniciou o processo de levantamento dos pacientes em tratamento no local para a elaboração do plano de assistência em outros hospitais oncológicos e, a partir de setembro, casos novos de oncologia não serão mais encaminhados ao A.C. Camargo.

A gestão municipal ressalta, porém, que a assistência em oncologia aos pacientes da rede municipal seguirá sendo ofertada por meio dos demais prestadores municipais do serviço, como o Hospital Municipal Dr. Gilson de Cássia Marques Carvalho–Vila Santa Catarina, e outras unidades reguladas pelo governo do estado.

Questionado sobre a falta de reajustes da tabela SUS, o Ministério da Saúde diz que "a tabela não constitui a principal e nem a única forma de financiamento do SUS" e que "os valores são referenciais mínimos, podendo ser complementados pelos gestores estaduais e municipais, de acordo com as demandas e necessidades de cada território".

Em entrevista à Folha, Victor Piana de Andrade, CEO do A.C. Camargo Cancer Center, disse que o hospital tentou várias alternativas antes de decidir pelo fim dos atendimentos, entre elas fazer parte do Proadi, programa do governo federal de apoio ao desenvolvimento do SUS que tem entre os parceiros os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês.

"Nós ganhamos um sim técnico [do Ministério da Saúde] e um não de decisão política. Tentamos mais umas duas vezes, tínhamos projetos muito interessantes, mas não conseguimos. Entendemos que essa porta estava fechada", disse Andrade.

Nesta terça (23), o deputado federal Alexandre Padilha (PT) encaminhou ofício ao Ministério da Saúde solicitando informações sobre o fim dos atendimentos SUS pelo Hospital A.C. Camargo. Entre os questionamentos, indaga quais os motivos pelos quais o ministério recusou que a instituição fizesse parte do Proadi e pede que a pasta encaminhe todas as manifestações técnicas relativas a esse pedido.

Padilha também questiona quais as iniciativas e medidas tomadas pelo Ministério da Saúde para evitar que o A.C. Camargo saísse da rede pública de saúde.

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