Novos dados associam origem da Covid a cão-guaxinim no mercado de Wuhan

Amostras coletadas no mercado chinês que deram positivo para o coronavírus são compatíveis ao DNA do animal

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Benjamin Mueller
The New York Times

Uma equipe internacional de especialistas em vírus disse nesta quinta (16) que encontrou dados genéticos de um mercado em Wuhan, na China, ligando o coronavírus a cães-guaxinins à venda no local, acrescentando ao caso evidências de que a pior pandemia em um século pode ter sido iniciada por um animal infectado negociado no comércio ilegal de animais silvestres.

Os dados genéticos foram extraídos de amostras coletadas dentro e ao redor do Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan a partir de janeiro de 2020, logo depois que as autoridades chinesas fecharam o mercado por suspeitas de que estivesse ligado ao surto de um novo vírus. A essa altura, os animais já tinham sido retirados, mas os pesquisadores colheram amostras de paredes, pisos, gaiolas de metal e carrinhos frequentemente usados para transportar gaiolas de animais.

Em amostras que deram positivo para o coronavírus, a equipe de pesquisa internacional encontrou material genético pertencente a animais, incluindo grandes quantidades que eram compatíveis com o cão-guaxinim, disseram três cientistas envolvidos na análise.

Portas fechadas no mercado de frutos do mar de Huanan, em Wuhan, na China, onde cientistas acreditam ter surgido a Covid-19 - Hector Retamal - 24.jan.20/AFP

A mistura de material genético do vírus e do animal não prova que um cão-guaxinim em si foi infectado. E mesmo que um cão-guaxinim tivesse sido infectado, não ficaria claro se o animal havia espalhado o vírus para as pessoas. Outro animal pode ter passado o vírus para as pessoas ou alguém infectado com o vírus pode tê-lo transmitido para um cão-guaxinim.

Mas a análise estabeleceu que os cães-guaxinins —animais peludos aparentados com as raposas e conhecidos por serem capazes de transmitir o coronavírus— depositaram assinaturas genéticas no mesmo local onde o material genético do vírus foi deixado, disseram os três cientistas. Essa evidência, segundo eles, era consistente com um cenário em que o vírus havia se espalhado para humanos a partir de um animal silvestre.

Um relatório com todos os detalhes das descobertas da equipe de pesquisa internacional ainda não foi publicado. Sua análise foi relatada pela primeira vez pela revista The Atlantic.

A nova evidência certamente dará uma sacudida no debate sobre as origens da pandemia, mesmo que não resolva a questão de como ela começou.

Nas últimas semanas, a chamada teoria do vazamento de laboratório, que postula que o coronavírus surgiu de um laboratório de pesquisa em Wuhan, ganhou força graças a uma nova avaliação de inteligência do Departamento de Energia dos EUA e audiências conduzidas pela nova liderança republicana da Câmara.

Mas os dados genéticos do mercado oferecem algumas das evidências mais tangíveis de como o vírus poderia ter se espalhado de animais para pessoas fora de um laboratório. Também sugerem que os cientistas chineses fizeram um relato incompleto das evidências que poderiam oferecer detalhes sobre como o vírus se espalhou no mercado de Huanan.

Jeremy Kamil, especialista em vírus do Centro Shreveport de Ciências da Saúde da Universidade Estadual da Louisiana, que não participou do estudo, disse que as conclusões mostraram que "as amostras do mercado que continham as primeiras linhagens de Covid estavam contaminadas com leituras de DNA de animais silvestres".

Kamil disse que não há evidências conclusivas de que um animal infectado tenha desencadeado a pandemia. Mas "realmente chama a atenção para o comércio ilegal de animais de uma maneira estreita".

Cientistas chineses divulgaram um estudo das mesmas amostras do mercado em fevereiro de 2022. Esse estudo relatou que as amostras eram positivas para coronavírus, mas sugeriam que o vírus vinha de pessoas infectadas que faziam compras ou trabalhavam no mercado, e não de animais vendidos lá.

Em algum momento, esses mesmos pesquisadores, incluindo alguns afiliados ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, publicaram os dados brutos de amostras de todo o mercado no Gisaid, um repositório internacional de sequências genéticas de vírus. As tentativas de entrar em contato com os cientistas chineses por telefone, na quinta (16), não tiveram sucesso.

Em 4 de março, Florence Débarre, bióloga evolutiva do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, estava pesquisando esse banco de dados em busca de informações relacionadas ao mercado de Huanan quando, segundo contou em entrevista, notou mais sequências do que o normal. A princípio confusa sobre se continham novos dados, Débarre as colocou de lado, para fazer login novamente na semana passada e descobrir que continham um tesouro de dados brutos.

Especialistas em vírus aguardavam os dados brutos da sequência do mercado desde que souberam de sua existência, no relatório chinês de fevereiro de 2022. Débarre disse que alertou outros cientistas, incluindo os líderes de uma equipe que publicou um conjunto de estudos no ano passado apontando o mercado como origem.

Uma equipe internacional —que incluía Michael Worobey, biólogo evolutivo da Universidade do Arizona; Kristian Andersen, especialista em vírus do Instituto de Pesquisa Scripps da Califórnia; e Edward Holmes, biólogo da Universidade de Sydney, na Austrália— começaram a explorar os novos dados genéticos na semana passada.

Uma amostra em particular chamou a atenção. Ela foi retirada de um carrinho ligado a uma barraca específica no mercado de Huanan que Holmes visitou em 2014, disseram cientistas envolvidos na análise. Essa baia, descobriu Holmes, continha cães-guaxinins enjaulados em cima de outra gaiola com aves, exatamente o tipo de ambiente propício à transmissão de novos vírus.

A equipe de pesquisa descobriu que a amostra colhida num carrinho no início de 2020 continha material genético do vírus e de um cão-guaxinim.

"Conseguimos descobrir com relativa rapidez que, pelo menos numa dessas amostras, havia muito ácido nucleico de cão-guaxinim, junto com ácido nucleico do vírus", disse Stephen Goldstein, especialista em vírus da Universidade de Utah, que trabalhou na nova análise. Os ácidos nucleicos são os blocos de construção químicos que carregam a informação genética.

Depois que a equipe internacional se deparou com os novos dados, procurou os pesquisadores chineses que haviam carregado os arquivos com uma proposta de colaboração, seguindo as regras do repositório online, disseram cientistas envolvidos na nova análise. Depois disso, as sequências desapareceram do Gisaid. Não está claro quem as removeu ou por quê.

Débarre disse que a equipe de pesquisa estava buscando mais dados, incluindo alguns de amostras do mercado que não foram divulgadas. "O importante é que ainda há mais dados", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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