Descrição de chapéu Coronavírus

Estudo levanta questões sobre eficácia de máscaras contra doenças respiratórias

Autores de revisão dizem não ser possível concluir de forma plena que item reduz disseminação de vírus

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São Paulo

A publicação de uma pesquisa sobre o uso de máscara para barrar infecções respiratórias, como no caso da Covid-19, levantou dúvidas a respeito da eficácia dela. Para os autores da análise, não é possível concluir de forma plena que ela reduz a disseminação de vírus.

O ponto destoa de outras evidências que indicam a eficácia e a importância da utilização de máscara para barrar a transmissão do Sars-CoV-2. Além de criar uma barreira que evita a inalação de partículas potencialmente virais, ela faz com que alguém doente não propague o vírus.

Pessoas utilizam máscaras em Hong Kong
Pessoas utilizam máscaras em Hong Kong. Novo estudo levantou questões sobre a eficácia do equipamento contra vírus respiratórios - Peter Parks - 27.fev.2023/AFP

A pesquisa que levantou a discussão foi publicada pela Cochrane Library, uma iniciativa que analisa evidências científicas para orientar a adoção de medidas de saúde pública.

O estudo foi publicado inicialmente em 2007 e passou a ser atualizado com o passar dos anos —essa é a quinta versão e pela primeira vez apresenta dados da Covid-19.

A publicação é o que se chama de revisão sistemática. Esse tipo de metodologia se debruça sobre informações de pesquisas já publicadas, elencando o grau de confiança dessas evidências.

No caso das máscaras cirúrgicas, os pesquisadores exploraram 12 artigos. Em nove deles, feitos em diferentes contextos sociais e com mais de 270 mil pessoas, os autores não observaram uma vantagem significativa da peça para evitar infecções respiratórias semelhantes à Covid, como gripe.

Para as do tipo N95, o número de pesquisas compiladas na revisão foram cinco. Além de não identificar um benefício claro do uso delas em comparação às cirúrgicas, a revisão apontou que as N95 não parecem exercer papel central contra doenças respiratórias: em três das pesquisas analisadas, com a soma total de 7.000 participantes, o item não apresentou vantagem para barrar as infecções.

A variedade entre esses estudos é um aspecto que chama a atenção de Vitor Mori, pesquisador da Universidade de Vermont, nos EUA, e membro da iniciativa Observatório Covid-19 BR. Ele afirma que, por ser uma revisão sistemática, a publicação compilou estudos com características diferentes sem considerar as especificidades de cada um deles.

"Quando se faz isso, você tira um pouco da nuance e do impacto de cada trabalho", diz o pesquisador, que não assina a revisão da Cochrane Library.

Os resultados também não são necessariamente um indicativo final de que máscaras não funcionam. Existem evidências em prol do equipamento já publicadas em outras pesquisas, como uma brasileira que avaliou 227 modelos da peça. Partículas de aerossol menores que as do Sars-CoV-2 foram emitidas e, então, foi possível medir a filtragem das máscaras —o tipo PFF2/N95 atingiu o melhor resultado, entre 90% e 98%.

Além disso, uma revisão sistemática pode concluir que não há informações suficientes e nem com um alto grau de confiança para chegar a uma resposta acertada em torno da pergunta que guia a pesquisa. Esse é o caso da revisão da Cochrane Library.

Na publicação, os cientistas apontam que não se sabe se o uso de máscaras cirúrgicas ou do tipo N95 "ajudam a retardar a propagação de vírus respiratórios com base nos estudos que realizamos", mas adicionam que "os resultados podem mudar quando mais evidências estiverem disponíveis".

Um exemplo de que a conclusão do estudo é passível de alterações são as próprias versões anteriores da revisão. A feita em 2020, por exemplo, indica uma falta de confiança na eficácia da máscara. No entanto, outras versões do levantamento concluíram que ela poderia ser uma medida útil contra infecções respiratórias.

"A implementação de barreiras à transmissão, tais como isolamento e medidas de higiene (uso de máscaras, luvas e aventais), pode ser eficaz na contenção das epidemias de vírus respiratórios", os autores escreveram na versão veiculada em 2011.

Para a revisão mais recente, os cientistas que assinam o levantamento notam algumas causas para explicar a falta de exatidão dos achados da pesquisa.

Uma delas é a baixa adesão das pessoas ao uso das máscaras. Ou seja, mesmo compondo a amostra para um estudo sobre a eficácia do equipamento, muitos não aderiram de forma constante e correta a ele. Segundo os autores, esse aspecto "pode ter afetado os resultados dos estudos".

Esse fator é igualmente relatado por Erick Sousa, pesquisador do ITPS (Instituto Todos Pela Saúde) e membro do Observatório Covid-19 BR. Ele explica que a revisão analisou ensaios clínicos randomizados. Nesses estudos, a intervenção que é investigada –um remédio, por exemplo– não deve sofrer variações entre os participantes para se chegar a um resultado exato. Ou seja, as pessoas que participam do ensaio precisam ter acesso semelhante e estarem expostas a circunstâncias próximas ao que o estudo investiga para que, no término, os efeitos da intervenção sejam confiáveis.

Mas utilizar essa mesma metodologia no caso das máscaras pode acarretar problemas. É difícil, por exemplo, padronizar o uso dos equipamentos entre todos os participantes. Os próprios autores da revisão exploraram esse aspecto ao registrarem que muitos participantes dos estudos não utilizavam a peça de proteção de forma similar.

Também é complexo uniformizar a exposição que essas pessoas teriam a partículas virais –algumas podem ter mais, enquanto outras, menos. "Ao escolher os indivíduos para fazer o estudo, eu não consigo garantir que a exposição da intervenção seja igual", afirma Sousa, que não participou da revisão.

Segundo ele, se os ensaios clínicos contassem com a melhor padronização de exposição a partículas respiratórias e também com a intervenção similar do uso de máscara, os resultados poderiam ser mais exatos.

A Folha tentou contato com os autores, mas eles não responderam.

Para Mori, a atualização no material da Cochrane Library pode, antes de tudo, ser um indicativo da necessidade de se pensar como criar intervenções e políticas públicas com esses equipamentos para que seus benefícios sejam mais bem aproveitados.

"Talvez a conclusão que a gente possa tirar desse estudo é que, se você não tiver adesão ideal ao uso da máscara, se não contar com políticas mais focalizadas, se simplesmente falar para pessoas ‘use máscara’ sem entrar em detalhes sobre onde isso é mais necessário, qual tipo de máscara é melhor, como usar corretamente, você pode perder potencial [do equipamento] de evitar e diminuir a transmissão", afirma Mori.

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