Cigarros eletrônicos podem causar inflamação pulmonar e queda na imunidade

Ideia de que equipamento eletrônico diminuiria o uso do cigarro comum é alvo de discussões e críticas

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São Paulo

Esta quarta (31) é o Dia Mundial sem Tabaco. Por muitos anos, a luta contra o tabagismo era restrita aos cigarros tradicionais, mas isso mudou com o surgimento e adesão aos modelos eletrônicos, conhecidos como vapes.

Com a promessa de que poderiam reduzir os danos dos cigarros convencionais, os dispositivos tecnológicos ganharam adeptos e até indicações de agências governamentais. O NHS, espécie de SUS do Reino Unido, é um exemplo. "Milhares de pessoas [no país] já pararam de fumar com a ajuda de um cigarro eletrônico. Existem evidências que eles podem ser efetivos", informa o serviço em uma página na internet.

Modelos de vapes em uma loja em Melbourne, Austrália
Modelos de vapes em uma loja em Melbourne, Austrália - Sandra Sanders - 2.mai.2023/Reuters

Mas outras pesquisas já observaram o efeito contrário: o vape seria uma porta de entrada para não fumantes começarem a utilizar o cigarro convencional. Malefícios que os produtos trazem a saúde também são objeto de crítica –inflamação pulmonar, problemas na imunidade e complicações cardíacas são alguns exemplos.

Abaixo, veja algumas dúvidas respondidas sobre esses equipamentos.

O que são os cigarros eletrônicos?

Com um líquido em sua estrutura que contém inúmeras substâncias, inclusive a nicotina ou derivados, os cigarros eletrônicos datam de 2003. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os primeiros modelos do equipamento foram desenvolvidos na China.

De início, o recipiente com o líquido era lacrado, então o usuário não podia manipular, e o aparelho era descartável. Com o tempo, o equipamento foi aprimorado. Versões mais recentes permitem a mistura de líquidos com diversos sabores, além de modelos maiores chamados de tanques.

Eles são autorizados no Brasil?

Não. A Anvisa já produziu um relatório de junho de 2022 em que analisa diversas evidências do uso de cigarros eletrônicos. Diante dele, a instituição optou por manter a proibição dos produtos.

Segundo a assessoria da agência informou à Folha, atualmente uma equipe técnica analisa dados sobre o tema e a possibilidade de abrir uma consulta pública.

Posso desenvolver dependência?

Sim, é possível ter dependência da nicotina, já que os equipamentos eletrônicos também contam com a substância em sua formulação.

"O ato de fumar é conhecido no código internacional das doenças como dependência de nicotina, e o vape ou o cigarro eletrônico continuam causando isso", afirma João Paulo Lotufo, presidente do Núcleo de Estudos do Combate ao Uso de Drogas por Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Quais os riscos do produto?

Estudos já investigaram os efeitos de cigarros eletrônicos e viram resultados parecidos aos modelos tradicionais, embora faltem evidências de longo prazo para um entendimento mais robusto.

Um dilema se relaciona à Evali, sigla que remete a uma inflamação pulmonar associada a cigarros eletrônicos. O CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) foi uma das primeiras instituições a acompanhar esses pacientes e registrou 2.734 diagnósticos entre março de 2019 e fevereiro de 2020.

Segundo a Anvisa, o centro norte-americano viu que os casos de Evali eram principalmente em adolescentes e jovens adultos. A inflamação ainda tinha associação com a vitamina E, substância presente em cigarros eletrônicos. "O CDC não descarta que substâncias como THC, entre outras, estejam também relacionadas aos casos de Evali", ponderou a agência brasileira em seu relatório de 2022.

A relação da própria Covid-19 com os cigarros eletrônicos é investigada. Uma pesquisa norte-americana com 4.351 adolescentes e jovens adultos no início da pandemia de Covid-19 concluiu que usuários eventuais de vapes corriam cinco vezes mais riscos de terem testes positivos para a infecção viral.

O equipamento também pode causar quadros mais graves da infecção viral. Alessandra Diehl, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudo do Álcool e outras Drogas) explica que os vapes afetam o sistema imunológico, ao diminuir a quantidade de células de defesa, além de já haver as evidências dos danos ao pulmão, órgão afetado pela Covid. "Nós ficamos predispostos a ter infecções."

Complicações cardiovasculares também já foram relatadas em relação aos cigarros eletrônicos. No relatório de 2022 da Anvisa, a agência menciona que uma revisão sistemática concluiu que produtos desse tipo aumentavam a frequência cardíaca, a pressão arterial e a rigidez da artéria.

Além disso, o cigarro eletrônico pode conter substâncias tóxicas associadas ao câncer, como o de pulmão, embora estudos a médio e longo prazo sejam o ideal para demonstrar a relação desses dispositivos com o surgimento de tumores. Outra questão envolvida são as manipulações que podem ocorrer nesses produtos, ocasionando a adição de substâncias mais tóxicas nos equipamentos.

"Não vai ter as 7.000 porcarias que tem no cigarro comum, mas tem outras no material que vaporiza a nicotina. Esse material é cancerígeno, é inflamatório", diz Lotufo.

Existem benefícios?

O principal ponto indicado como uma possível vantagem dos aparelhos eletrônicos é a substituição do cigarro convencional por ele. A lógica é utilizada pelo NHS, correspondente ao SUS no Reino Unido, que utiliza os modelos eletrônicos como uma das possibilidades para aqueles que desejam parar de fumar o tradicional. O serviço, no entanto, alerta que o cigarro eletrônico não é isento de riscos.

O país europeu também realiza revisões de evidências há alguns anos sobre o uso do cigarro eletrônico. Na edição mais recente, de 2022, o relatório aponta que existem evidências de que o modelo eletrônico ocasiona uma queda no uso de cigarros tradicionais entre aqueles que já fumavam.

O ponto, no entanto, é contestado. "Pelo menos na minha prática clínica, eu percebo o intercâmbio entre cigarro eletrônico e convencional. O que para mim é uma somatória de prejuízo: ela não abandona nem um, nem outro", afirma Diehl.

Um estudo brasileiro feito por pesquisadores do Inca (Instituto Nacional do Câncer) também diverge daquele visto pelos britânicos. Contemplando 22 artigos já publicados anteriormente, a pesquisa brasileira concluiu que o "cigarro eletrônico aumentou em quase três vezes e meia o risco de experimentação de cigarro convencional".

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