4 em cada 10 adultos jovens com pressão alta não seguem tratamento indicado

Dados são da pesquisa Covitel e revelam desafio da adesão a medicamentos e outras ações de controle

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Belo Horizonte

Ao menos 12,5% dos adultos diagnosticados com hipertensão arterial e com indicação de uso de remédios admite não realizar o tratamento, percentual que sobe para 46% —o equivalente a quase metade— entre aqueles de 18 a 24 anos.

Os dados são da pesquisa Covitel, que monitorou o cenário de doenças crônicas antes e depois da pandemia de Covid, e ocorrem em um momento em que especialistas apontam sinais de alerta para um aumento no diagnóstico entre adultos jovens.

Atualmente, a hipertensão afeta 1 em cada 4 adultos brasileiros —ou 26,6%, segundo os dados do Covitel, estudo conduzido pela Vital Strategies e Ufpel (Universidade Federal de Pelotas) com apoio da Umane, associação sem fins lucrativos na área de saúde pública.

O levantamento deste ano ouviu 9.000 adultos brasileiros, de capitais e cidades do interior das cinco regiões do país, por telefone (fixo e celular), entre janeiro e abril.

Rosimeire dos Santos, 35, na Unidade de Pronto Atendimento Lucas Evangelista, na cidade baiana de Dias d'Ávila; ela recebeu o diagnóstico de hipertensão após passar mal - Rafaela Araújo/Folhapress

A prevalência da doença é maior entre idosos, para os quais o índice chega a 62,5%. Já entre as faixas etárias mais jovens (até 34 anos), o percentual varia de 8,2% a 10,1%.

Para especialistas, a estimativa é que o total na prática seja ainda maior, já que muitos não sabem que têm a doença.

O grupo faz alertas para a piora em fatores de risco que, atrelados ao histórico familiar, podem levar à hipertensão —como o avanço da obesidade no país, sedentarismo e consumo excessivo de sal, entre outros hábitos.

"É um conjunto ruim não apenas para pressão alta, mas também para diabetes e para todos os fatores que levam às doenças cardiovasculares", diz Andréa Araújo Brandão, presidente do conselho administrativo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Erika Campana, professora-adjunta de cardiologia na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que um possível reflexo desses fatores de risco já aparece no diagnóstico de hipertensão em pessoas mais jovens.

"A hipertensão é claramente uma doença da quarta ou quinta década de vida. Mas o que temos visto hoje é cada vez mais indivíduos mais jovens desenvolvendo hipertensão sem nenhuma causa secundária [quando não há outra doença que pode levar a isso]", afirma.

"É uma situação muito grave que reflete o que estamos vivendo: um mundo em que abandonamos a alimentação saudável e a atividade física."

Brandão concorda. "Muitos anos atrás, considerávamos que a pressão alta não era doença do jovem, e que ele nunca tinha pressão elevada. Hoje, temos que fazer a medida da pressão anualmente em todo mundo, e temos diagnosticado sim mais hipertensão nessas primeiras décadas da fase adulta."

Considerada silenciosa, a hipertensão é uma doença vascular caracterizada por um aumento na pressão com que o sangue circula nas artérias e nas veias.

O diagnóstico é feito a partir de duas medições acima de 140 por 90 mmHg (ou "14 por 9") em consultas diferentes.

É aí que entra um dos primeiros desafios em relação à pressão alta: aumentar o rastreio, já que nem sempre essa aferição ocorre.

"Em uma boa parte da população de hipertensos, a doença é assintomática e, com isso, ela passa despercebida", explica Brandão.

Atualmente, diretrizes brasileiras orientam que a pressão arterial seja medida "em toda avaliação por médicos, de qualquer especialidade, e por todos os profissionais de saúde capacitados".

Dados do programa Previne Brasil, do Ministério da Saúde, levantados pela plataforma ImpulsoGov, no entanto, mostram que 80% dos municípios não cumprem a meta de aferir a pressão em consultas na atenção básica.

"É um dado alarmante", diz Juliana Ramalho, gerente de saúde pública do ImpulsoGov. "Hoje vemos que a atenção primária sofre com sucateamento, com falta de profissionais e também de recurso financeiro para garantir esse atendimento amplo a pessoas com diabetes e hipertensão", afirma ela, que também atribui parte dos dados a possíveis dificuldades no registro.

Questionado, o Ministério da Saúde diz que a pasta tem adotado medidas para aumentar o número de profissionais e treinar equipes para melhorar o registro em bases de dados.

Adesão a tratamento é desafio

Após o diagnóstico da hipertensão, outro desafio, como revelam os dados do Covitel, é a adesão ao tratamento —em geral marcado por mudança nos hábitos de vida e uso de medicamentos.

Para Erika Campana, os dados que apontam que 4 em cada 10 adultos jovens com hipertensão não seguem o tratamento recomendado geram alerta em um contexto em que diagnósticos nesse grupo já não são mais tão raros.

"Se você está fazendo o diagnóstico de alguém com 25 anos, e ele viver 75, que é a expectativa de vida do brasileiro, isso significa que ele terá ao menos 50 anos convivendo com a doença, ou seja, são 50 anos com a possibilidade de que, se não tratar adequadamente, pode desenvolver uma complicação."

Em geral, segundo especialistas, cerca de 60% dos casos de infarto e 80% dos casos de AVC são de pacientes que também tinham diagnóstico de hipertensão. A doença também pode levar à insuficiência renal. Se não tratada, também pode levar à morte.

Luiz Bortolotto, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Hipertensão, atribui a baixa adesão ao tratamento a uma banalização da doença, problema que é maior entre faixas etárias mais jovens.

"O problema é que a pessoa não vê as complicações dessas doenças crônicas. E com isso não trata."

Na tentativa de facilitar a adesão, especialistas defendem maior conscientização sobre os riscos e discussão sobre a oferta de tratamentos combinados em menos comprimidos —alternativa que teria impacto sobretudo em idosos, que fazem uso de mais medicamentos.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde para saber se há discussões sobre o tema, mas não recebeu resposta.

Atualmente, o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece gratuitamente medicamentos para hipertensão nas unidades básicas de saúde e também pelo programa Farmácia Popular.

Na Bahia, projeto no SUS melhora controle de hipertensão

Exemplos de outras iniciativas no SUS também apontam possibilidades para ampliar o rastreio e a adesão de pacientes ao tratamento.

Foi o que ocorreu em Dias d'Ávila, na região metropolitana de Salvador, onde a equipe de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) local passou a registrar dados de atendimentos de pacientes com diabetes e hipertensão em uma planilha e a encaminhar os registros para acompanhamento dos pacientes na rede de atenção básica.

"Eu era coordenadora da UPA e percebi que havia uma quantidade exacerbada de pacientes que davam entrada descompensados", afirma Daniella Albino, hoje subsecretária municipal de saúde.

Daniella Albino, subsecretária municipal de saúde de Dias d'Ávila, criou projeto para acompanhar a hipertensão de pacientes na unidade - Rafaela Araújo/Folhapress

Segundo ela, a medida ajudou as equipes das unidades básicas a identificar casos em que o paciente estava afastado da rede de saúde. Também acabou por reduzir o número de pacientes atendidos na emergência com taxas descontroladas —de 189 para 93 em seis meses.

Rosimeire dos Santos, 35, não esquece o dia em que foi atendida na UPA. "Dei entrada com mal-estar, enjoada e dor de cabeça forte. E não sabia o que era. Ficava tonta o tempo todo. Quando mediram minha pressão, viram que estava altíssima."

Após o atendimento inicial, Rosimeire recebeu medicação e foi orientada a fazer acompanhamento mensal no posto de saúde. O diagnóstico foi confirmado em seguida.

"Também me recomendaram fazer atividade física e mudar a alimentação. Estou tentando seguir o máximo para ter uma vida melhor, porque pressão alta não é brincadeira, e se não tomar o remédio, pode ocorrer algo sério."

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