Descrição de chapéu Doenças Crônicas

Doença de Crohn cresce 12% ao ano no país, mas ainda é pouco conhecida

Falta de informação sobre a enfermidade aumenta a espera por diagnóstico e prejudica o início do tratamento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A cada 100 mil brasileiros, 34 têm uma doença inflamatória no trato digestivo que pode provocar diarreia, cólica abdominal, perda de peso e obstruções intestinais, entre outros sintomas. Trata-se da doença de Crohn, que registrou um crescimento médio anual de 12,1% no total de casos entre 2012 e 2020, mas é ignorada por parte da população e dos profissionais de saúde.

O aumento na prevalência é apontado em um estudo publicado na revista The Lancet Regional Health - Americas, que indica também maior frequência da enfermidade nas regiões Sudeste e Sul.

"Suspeitamos que no Sul e Sudeste a forte influência europeia possa ter levado a uma tendência genética. Além disso, o processo de industrialização nessas regiões contribui para o aumento da doença inflamatória intestinal", diz Adérson Omar Mourão Cintra Damião, chefe do grupo de doenças intestinais do Hospital das Clínicas (HC-FMUSP), coordenador do grupo de doenças inflamatórias intestinais da Rede D’Or e um dos autores do trabalho.

Leandro Ribeiro, 37, passou por quatro médicos antes de obter o diagnóstico e hoje realiza palestras e compartilha informações sobre a doença de Crohn nas redes sociais - Anderson Coelho/Folhapress

Ainda não se tem certeza do que provoca a doença. Os especialistas entendem que ela é multifatorial e, além de aspectos genéticos e da dieta desequilibrada na correria dos centros urbanos, elementos como estresse, sedentarismo, tabagismo e alterações imunológicas no intestino favorecem seu surgimento.

"Especialmente a alimentação contribui para uma modificação importante da microbiota intestinal, e indivíduos com doença de Crohn geralmente têm uma reação exacerbada aos produtos dessas bactérias, levando à inflamação crônica", acrescenta.

A doença pode comprometer qualquer região do trato digestivo, desde a boca até o ânus, mas acomete principalmente o íleo, porção final do intestino delgado, e o cólon, parte central do intestino grosso. Ela afeta majoritariamente adultos jovens, porém vem aumentando também em outras faixas, incluindo crianças.

Nesse público, a enfermidade se manifesta de forma mais grave, com grande impacto no cotidiano. Estudo sobre crianças com DII (doenças inflamatórias intestinais) mostra que, na presença de dor abdominal, diarreia ou urgência fecal, elas frequentemente apresentam preocupação, medo e tristeza, faltam às aulas e não participam de atividades recreativas.

Para reduzir as implicações da doença, é importante que o diagnóstico seja dado o quanto antes, mas nem sempre é assim. Em 2017, a ABCD (Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn) fez um levantamento com 3.563 pessoas com DII e verificou que 43% foram ao menos quatro vezes ao pronto-socorro antes da identificação da doença.

Segundo o estudo, 41% dos pacientes demoraram mais de um ano e 20% esperaram mais de três anos para descobrir qual era seu problema de saúde. "Em alguns casos, foram cinco anos sem um diagnóstico correto", conta a gastroenterologista Marta Brenner Machado, presidente da associação. Esses intervalos entre o início dos sintomas e o tratamento agravam o quadro.

Falta de informação e preconceito

"Temos três tipos de comportamento da doença de Crohn", diz Carlos Sobrado, membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Coloproctologia). O primeiro é a inflamação. O segundo é o estreitamento (estenose) do intestino, que provoca dores muito fortes e vômito. E o terceiro é a formação de fístulas, passagens entre duas ou mais estruturas do corpo que não existem em condições normais. "A alça do intestino que está inflamada pode grudar em outra alça, na bexiga, na barriga. De repente, aparece um furo perto do umbigo e começa a vazar material fecal", exemplifica.

No caso de Leandro Ribeiro, 37, a fístula foi o primeiro sintoma. Ela surgiu quando ele tinha 18 anos e estava fazendo o Tiro de Guerra. "Doía muito e comecei a perder peso. Eu não conseguia exercer as funções no Exército e fiquei com medo de ser preso como desertor."

O influencer relata que passou por quatro médicos até descobrir que tinha doença de Crohn. "Nesse período, eu tinha altos e baixos. A maioria das pessoas com doença inflamatória intestinal tem quadros de diarreia, e eu não tinha. Só que meu intestino entrava em colapso e parava de absorver, então em um período de 40 dias cheguei a perder mais de 15 kg."

Dispensado do Exército, Ribeiro perdeu empregos porque, a cada crise, faltava no trabalho. "Eu preferia que as pessoas achassem que eu não queria fazer algo e não que eu não poderia fazer algo, então eu era considerado preguiçoso, vagabundo. Eu sofria por dentro para não mostrar que estava doente e isso só agravava a situação. As pessoas se afastavam, eu não permitia ser cuidado e, ao mesmo tempo, eu precisava ter apoio, ter cuidado."

O influencer reforça a falta de informação sobre a enfermidade. Além da espera pelo diagnóstico, ele afirma que recebeu recomendações errôneas de nutricionistas e, ao ser internado para uma cirurgia de urgência, teve de detalhar os alimentos que pessoas com doença de Crohn devem evitar.

Leandro Ribeiro não aceitava a possibilidade de ser ostomizado e, após a cirurgia, começou a compartilhar informações com outros pacientes - Anderson Coelho/Folhapress

Também há preconceito. Leandro dizia que preferia morrer a viver "com uma bolsa pendurada na barriga", em referência à bolsa que recebe o conteúdo do intestino quando o fluxo é desviado para a parte externa do abdômen. No momento em que precisou passar por uma ostomia, porém, seu filho Lorenzo tinha 6 meses de vida e ele mudou de opinião. "Ao erguer o lençol e ver a bolsa, agradeci a Deus por ter dado mais uma oportunidade."

Por enquanto, não há cura para a doença de Crohn, porém há recursos terapêuticos. "Quando os pacientes recebem o tratamento adequado, conseguem voltar à sua vida normal, à sua rotina", ressalta Machado.

O cuidado envolve o uso de imunossupressores para controlar a inflamação e mudanças na dieta conforme a fase da doença, se em remissão ou agudização.

Outros aspectos importantes são o cuidado com a saúde mental e a participação em redes de apoio. Ribeiro foi um dos fundadores da Alô (Associação Limeirense de Ostomizados e de Incontinentes), criou o perfil @sr.ost.crohn e ministra palestras para unir pacientes e familiares, conscientizar sobre a doença e compartilhar o que aprendeu.

"Cometi um dos principais erros de quem é diagnosticado com uma doença crônica: viver como se ela não fosse difícil. Pensava que era emocional e, se eu fingisse que ela não existia, não teria impacto sobre mim. Isso me levava a mais crises."

Com o tempo, Ribeiro aprendeu que precisava respeitar seus limites e o sonho de ser fisiculturista foi trocado por outro: mostrar que é possível ter qualidade de vida depois do diagnóstico. "Minhas limitações não me param", diz. "Muitas vezes as pessoas querem clareza para se movimentar e é o contrário, é pelo movimento que geramos clareza."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.