Nobel de Medicina 2023 vai para dupla criadora de técnica que permitiu vacina contra Covid

Húngara Katalin Karikó e americano Drew Weissman estudaram o RNA mensageiro, usado em imunizantes como o da Pfizer

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São Paulo

O Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 2023 foi para a bioquímica húngara Katalin Karikó, 68, e o médico americano Drew Weissman, 64, por pesquisas que auxiliaram no desenvolvimento das vacinas de RNA mensageiro, fundamentais no enfrentamento da Covid-19.

"Por meio das suas descobertas inovadoras, que mudaram fundamentalmente a nossa compreensão de como o mRNA interage com o nosso sistema imunológico, os laureados contribuíram para o desenvolvimento de vacinas durante uma das maiores ameaças à saúde humana nos tempos modernos", justificou o comitê que define os vencedores.

A tecnologia também é apontada como um caminho para o combate a outras doenças, incluindo dengue, malária, chikungunya e zika.

Katalin Karikó e Drew Weissman, ganhadores do Nobel de Medicina 2023 - Peggy Peterson/Universidade da Pensilvânia

Além de uma medalha de ouro de 18 quilates e um diploma, os premiados vão dividir 11 milhões de coroas suecas, cerca de R$ 5 milhões.

A premiação continua ao longo dos próximos dias. Nesta terça (3), será anunciado o vencedor do Nobel de Física e, na quarta (4), de Química. Em seguida, serão conhecidos os ganhadores em Literatura (5) e Paz (6). Na semana seguinte, será a vez do prêmio de Economia (9).

A cerimônia de entrega dos prêmios ocorrerá no dia 10 de dezembro, data do aniversário de morte de Alfred Nobel.

Desvendando o mRNA

Nas nossas células, a informação genética codificada no DNA é transferida para o RNA mensageiro (mRNA), que é usado como um modelo para a produção de proteínas. Durante a década de 1980, foram desenvolvidos métodos eficientes para gerar mRNA, porém aplicar essa tecnologia para produzir proteínas e utilizá-las em vacinas e terapias esbarrava em alguns obstáculos.

Em primeiro lugar, o mRNA transcrito in vitro era considerado instável e difícil de ser entregue nas células, exigindo o desenvolvimento de cápsulas de gordura (lipídios) capazes de levar o material até o destino. Além disso, esse mRNA causava reações inflamatórias no organismo.

Mas esses obstáculos —e a dificuldade em convencer financiadores de pesquisa sobre a importância de seu projeto— não desencorajaram Karikó, que queria usar o mRNA em terapias.

Nos anos 1990, ela começou a trabalhar com Weissman em uma nova abordagem. O imunologista estava interessado em células dendríticas, que têm funções importantes na vigilância imunológica e na ativação da resposta imune induzida por vacinas.

A dupla percebeu que as células dendríticas reconhecem o mRNA transcrito in vitro como uma substância estranha, o que leva à liberação de moléculas sinalizadoras inflamatórias. Era a chave para algumas propriedades que distinguem o mRNA desenvolvido em laboratório do produzido naturalmente no organismo.

Karikó e Weissman sabiam que as quatro bases no RNA das células —A, U, G e C— são frequentemente modificadas quimicamente, enquanto o mRNA transcrito in vitro não é. Eles se perguntaram se a ausência de bases alteradas poderia explicar a reação inflamatória indesejada e produziram diferentes variantes de mRNA, cada uma com alterações químicas únicas em suas bases, para investigar essa hipótese.

Os resultados foram impressionantes: a resposta inflamatória praticamente desapareceu quando a uridina foi substituída por uma molécula semelhante, a pseudouridina. Isso representou uma mudança na compreensão de como as células reconhecem e respondem a diferentes formas de mRNA.

Esses resultados foram publicados em 2005. Em estudos posteriores, divulgados em 2008 e 2010, Karikó e Weissman mostraram que a entrega de mRNA gerado com modificações de base aumenta significativamente a produção de proteínas em comparação com o mRNA não modificado, eliminando outro obstáculo no caminho das aplicações clínicas.

Com as descobertas, o interesse por essa tecnologia começou a aumentar e, em 2010, várias empresas já trabalhavam no desenvolvimento de vacinas em que o RNA mensageiro produzido artificialmente fornecia as instruções para a construção de estruturas semelhantes às de agentes invasores (antígenos), levando à produção de anticorpos.

Isso permitiu que, na pandemia de Covid-19, a Pfizer e a Moderna desenvolvessem em velocidade recorde vacinas de RNA mensageiro capazes de mimetizar a proteína da superfície do Sars-CoV-2 e desencadear a reação do sistema imunológico, salvando milhões de vidas.

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Katalin Karikó e Drew Weissman, vencedores do Nobel de Medicina 2023 - Divulgação/Nobel Prize

Perfil dos premiados

Katalin Karikó nasceu em 1955 em Szolnok, Hungria. Ela concluiu o doutorado em 1982, na Universidade de Szeged, e nos anos seguintes realizou pesquisas de pós-doutorado na Academia Húngara de Ciências.

Em 1985, deixou a Hungria e se mudou para a Filadélfia com o marido e a filha. De acordo com a revista Forbes, a família viajou com cerca de US$ 1,2 mil escondidos em um ursinho de pelúcia, uma forma de manter a pouca reserva segura.

Nos Estados Unidos, a cientista passou a atuar como professora na Universidade da Pensilvânia, onde desenvolveu os estudos pioneiros, enfrentando a desconfiança de parte dos colegas. Mais recentemente, ela tornou-se vice-presidente da BioNTech, parceira da Pfizer na produção de vacinas contra a Covid.

Drew Weissman nasceu em 1959 em Massachusetts, nos Estados Unidos. Ele concluiu o doutorado pela Universidade de Boston em 1987 e fez pesquisa de pós-doutorado nos NIH (National Institutes of Health).

Em 1997, Weissman estabeleceu seu grupo de pesquisa na Perelman School of Medicine da Universidade da Pensilvânia. Atualmente, ele é diretor do Penn Institute for RNA Innovations.

Últimos ganhadores

No ano passado, o prêmio foi concedido ao pesquisador sueco Svante Pääbo por desvendar os genomas de hominínios extintos, ou seja, membros desaparecidos do grupo de primatas ao qual pertencem os seres humanos. Entre outros feitos, ele coordenou em 2010 os trabalhos que sequenciaram o DNA completo dos neandertais, desaparecidos há cerca de 40 mil anos.

Em 2021, a láurea ficou com o americano David Julius e o libanês de origem armênia Ardem Patapoutian, 54. Os dois elucidaram os mecanismos que permitem que o sistema nervoso capte estímulos de temperatura e toque na pele.

Em 2020, o Nobel de Medicina foi dividido por três pesquisadores pela descoberta do vírus da hepatite C. Os americanos Harvey Alter e Charles Rice, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) e da Universidade Rockefeller, e o britânico Michael Houghton foram os laureados.

Já em 2019, William G. Kaelin, da Universidade Harvard, Peter J. Ratcliffe, da Universidade de Oxford, e Gregg L. Semenza, da Universidade Johns Hopkins, foram os premiados por pesquisas sobre como as células percebem e alteram o comportamento de acordo com a disponibilidade de oxigênio.

Em 2018, James P. Allison e de Tasuku Honjo foram laureados por descobertas ligadas à imunoterapia, ou seja, ao combate do câncer com drogas que potencializam a função do sistema imunológico.

Entre as descobertas premiadas no passado estão as da estrutura do DNA por James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins (1962), a da penicilina por Fleming e outros (1945), a do ciclo do ácido cítrico por Hans Krebs (1953) e a da estrutura do sistema nervoso por Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal (1906).

"É meu desejo que, ao atribuir os prêmios, nenhuma consideração seja dada à nacionalidade, mas que o prêmio seja concedido à pessoa mais digna, sejam ou não escandinavos", diz o testamento de Alfred Nobel.

Apesar do desejo, a concentração das premiações científicas em países ricos é expressiva. Isso sem contar o pequeno número de mulheres premiadas. Dos 227 laureados em Medicina ou Fisiologia desde 1901, somente 13 são mulheres.

Como é escolhido o ganhador do Nobel

A premiação teve início com a morte de Alfred Nobel, inventor da dinamite. Em 1895, em seu último testamento, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada à construção de um prêmio —o que foi recebido por sua família com contestação. O primeiro prêmio foi dado em 1901.

A escolha do vencedor da área de fisiologia ou medicina começa por indicações de um grupo de 50 pesquisadores ligados ao Instituto Karolinska, na Suécia. Alfred Nobel, em seu testamento, destinou à instituição a missão de eleger pesquisadores que tenham feito notáveis contribuições ao futuro da humanidade.

O processo tem início no ano anterior à premiação, mais especificamente em setembro, com o envio de convites para indicar um nome para o prêmio, o que deve ocorrer até o dia 31 de janeiro.

Podem indicar nomes os membros do Comitê do Nobel do Instituto Karolinska; profissionais da área de biologia e medicina ligados à Academia Real Sueca de Ciências; vencedores dos prêmios de fisiologia ou medicina ou de química; professores titulares de medicina de instituições suecas, norueguesas, finlandesas, islandesas ou dinamarquesas; professores em cargos semelhantes em outras faculdades de medicina de universidades de todo o mundo, selecionadas pelo Comitê do Nobel, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada da tarefa entre vários países; e acadêmicos e cientistas selecionados pelo Comitê do Nobel. Autoindicações não são aceitas.

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