Vi um ginásio inteiro gritando 'bicha', diz Michael
Em 1999, o jogador de vôlei Luiz Cláudio Alves da Silva, o Lilico, falou publicamente que era gay. Fez a revelação para se queixar do fato de que sua orientação sexual teria lhe fechado as portas da seleção brasileira.
Divulgação |
Michael ataca em jogo do Vôlei Futuro |
Doze anos se passaram, a homossexualidade no esporte permanece um tabu, mas o preconceito "expulsou" Michael, 27, do armário.
Na sexta, o meio de rede do Vôlei Futuro foi vítima de uma manifestação generalizada de homofobia vinda das arquibancadas do ginásio do Riacho, em Contagem (MG), casa do time rival, o Cruzeiro.
"Foi a primeira vez que vi um ginásio inteiro gritando 'bicha' em alto e em bom som", afirmou o atleta.
Ainda assustado, Michael disse à Folha que não poderia se calar diante de tal situação. Para isso, teve que se expor e revelar publicamente sua homossexualidade.
Ele, porém, não se considera um ícone, como Lilico, morto em 2007, vítima de um AVC (acidente vascular cerebral). "Não quero ser um símbolo. Só quero contribuir para que isso [manifestações homofóbicas] não aconteça de novo. Acho que vai acontecer, mas, pelo menos, dei um primeiro passo."
As duas equipes voltam a se enfrentar neste sábado.
Folha - Como você se sentiu com as ofensas da torcida?
Michael - Fiquei constrangido. Já tinha acontecido antes, com grupos menores. Mas foi a primeira vez que vi um ginásio inteiro gritando em alto e bom som "gay, bicha". Foi por isso que me manifestei. Não tinha feito isso antes porque achava normal.
Achava normal?
Normal não achava, mas eu ia brigar com 50 pessoas? São pessoas ignorantes. Mas, em Contagem, foi pior porque tinha até criança, senhora, muita gente gritando.
Foi uma iniciativa sua repercutir isso?
Minha e do Vôlei Futuro. Não sei se teria força para fazer isso sozinho. Eu queria falar sobre preconceito, mas, para isso, eu teria que me expor. Acho que isso tinha que ser feito. Não podia deixar passar. Já deixei passar muitas vezes, mas um ginásio inteiro... Eu tinha que falar.
É complicado se expor?
Não falo claramente que sou gay porque não tem necessidade, todo mundo sabe. Sei que tomei essa causa, mas não precisa ouvir da minha boca que eu sou gay.
Os jogadores te apoiaram?
Somos muito parceiros, até damos risada se algum cara ignorante me xinga. Mas, quando a torcida começou gritar, alguns me perguntaram se eu estava assustado. Eu disse que sim, mas, tudo bem, vamos jogar.
Os xingamentos interferiram no seu rendimento?
Sim, fiquei assustado. Eu tinha que jogar porque, se não jogasse, eu ia ficar derrotado. Tentei levantar a cabeça. Depois que acabou o jogo, fui para o vestiário, e um monte de gente veio atrás. Eu pensei: "Caramba, eu sou um monstro, então."
Você já sofreu algum preconceito de colegas ou técnicos?
Nunca. Se sofri, passou despercebido.
Você se considera um símbolo, assim como foi o Lilico?
Não, nem quero. Só não posso ficar calado como se nada tivesse acontecido. Acho que vai acontecer de novo, mas pelo menos eu dei um passo inicial para que isso não aconteça mais.
Alexandre Arruda/Divulgação CBV | ||
Michael (ao centro) cumprimenta colegas em partida com o Vôlei Futuro |
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