Um atleta que se sinta desvalorizado pode jogar de cara fechada, reclamar com a mídia ou disparar resmungos no Twitter. Ou pode inventar uma nova estatística que prove o seu valor.
Foi o que dois volantes fizeram, e agora sua invenção é o assunto do momento no mundo das estatísticas de futebol.
Stefan Reinartz e Jens Hegeler jogavam como volantes no Campeonato Alemão em 2015 quando criaram o indicador conhecido como "packing". As estatísticas rudimentares do futebol, como gols e assistências, tendem a destacar especialmente os atacantes e os meias, ou seja, os jogadores que marcam a maior parte dos gols e dão os passes para eles. Os soldados rasos do esporte, meios-campistas defensivos como Reinartz e Hegeler, muitas vezes dão início às jogadas ofensivas, mas raramente são reconhecidos estatisticamente.
Os dois arrazoaram que o que eles faziam melhor era carregar a bola e fazê-la passar pela primeira linha de jogadores adversários. É isso que o "packing" mede.
"Futebol é um jogo de placares baixos, e não é possível avaliar uma dúzia de jogadores com base em apenas três gols", disse Lukas Keppler, diretor administrativo da Impect, a companhia que agora acompanha o indicador criado pela dupla.
"Stefan não faz dribles espetaculares, mas seu passe é excelente, e isso não era analisado da maneira que ele gostaria. Passes verticais simples não são apreciados. Talvez agora exista um número que mostre que a pessoa que faz o passe é mais valiosa do que o jogador que dá um chute espetacular mas sem resultado".
A metodologia por trás do cálculo do "packing" é bem fácil de entender. Os jogadores essencialmente ganham um ponto por qualquer movimento –cruzamento, drible, passe longo– que faça com que a bola ultrapasse um ou mais defensores adversários. Se a jogada começa com cinco defensores entre a bola e o gol e termina com apenas dois, isso representa três pontos. O jogador que recebe o passe também ganha pontos.
Quem brilha mais, em termos de "packing"? O melhor jogador da temporada, e já há algum tempo, é o meio-campista Toni Kroos, do Real Madrid, que tira 79 oponentes da jogada por partida e cujo total às vezes chega aos 100 pontos. Um time normalmente deixa para trás 306 defensores adversários por partida, em média.
Entre os recebedores de passes, o líder é Eden Hazard, do Chelsea, com 102 pontos por jogo.
Talvez mais incisivo do que simplesmente levar em conta o número total de "packing" seja concentrar o foco nos zagueiros deixados para trás, já que eles afinal são os últimos jogadores de linha com chance de deter um gol. Lionel Messi lidera quanto a isso, deixando 18 zagueiros para trás por jogo.
O método também ajuda a estabelecer comparações entre times que jogam em estilos muito diferentes. "O Bayern, o Paris Saint-Germain, o Barcelona têm muita posse de bola", disse Keppler. "Outros times contra-atacam e pressionam no campo adversário. O 'packing' mediria o valor do método geral de uma equipe".
Em quatro jogos desta temporada no Campeonato Inglês, o Liverpool deixou em média 57 jogadores para trás por partida, o melhor número da liga. Já os seus jogadores foram deixados para trás em média apenas 26 vezes, o que deixa uma margem líquida de 30 pontos em seu favor, de longe a melhor da liga. Abaixo dele no torneio em média líquida de defensores deixados para trás vêm o Manchester City (18) e o Bournemouth (15). Na posição mais baixa da tabela fica o West Ham, com menos 25.
E os times com bons números de "packing" tendem a ser bons times. "Se você tem a qualidade para construir um bom volume de jogo, vai perceber em base estatística que esses times são os mais bem-sucedidos", disse Keppler.
Na Copa do Mundo, nenhuma seleção deixou mais defensores para trás do que a da Bélgica, a surpresa das semifinais.
Ao longo dos últimos 12 meses, referências ao "packing" começaram a aparecer mais e mais em blogs e fóruns de mensagens de torcedores interessados em estatísticas. Nesse sentido, o indicador parece estar se tornando tão importante quanto o xC, ou expectativa de gols, a estatística avançada mais comentada nos últimos anos. Essa estatística tem por base o número de arremates, e por isso, uma vez mais, meio-campistas como Hegeler e Reinartz usualmente não são incluídos em suas medições.
Um motivo para criticar a nova estatística é que ela desconsidera os gols. Uma série de passes que leve a bola na direção do gol adversário, deixando diversos defensores para trás, seria um resultado ótimo em termos de "packing", mas pouco beneficiaria o time se o atacante em seguida perdesse a bola ou errasse o chute.
Hegeler hoje joga pelo Bristol City, na Inglaterra, e Reinartz deixou os gramados. Mas a empresa deles, a Impect, está prosperando, coletando e vendendo dados sobre "packing". Os clientes incluem a rede de TV alemã ARD e cerca de 15 clubes, a maioria dos quais alemães. A empresa recentemente fechou contrato com o Huddersfield Town, seu primeiro cliente na Inglaterra.
A empresa tem 65 operadores para recolher dados e agora acompanha os números de "packing" na Inglaterra, Espanha, Alemanha, França, Bélgica e Holanda. Planeja começar a acompanhar a Major League Soccer dos Estados Unidos na próxima temporada.
Isso deixa uma questão importante. Por que o nome da estatística é "packing" (empacotamento)? Keppler diz que o termo "defensores deixados para trás" soa tedioso. "Seria possível dizer que os defensores que ficaram para trás foram 'empacotados' e de alguma forma estão fora do jogo", explica.
Portanto, "packing" é o termo. Acostume-se a ouvi-lo.
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