Descrição de chapéu Seleção Brasileira

Ex-Palmeiras, Grêmio e seleção, goleiro supera alcoolismo

Internação, ostracismo e proximidade com a morte pontuaram vida de João Marcos

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São Paulo

Manhã fria de quinta-feira em um clube de Botucatu, no interior de São Paulo. O ex-goleiro João Marcos, 66, distribui coletes para iniciar mais uma aula de futebol para crianças de 11 a 15 anos.

Muitos desses meninos, porém, não têm ideia de que aquele senhor acima do peso, e com passagens por Palmeiras, Grêmio e seleção brasileira, travou uma batalha contra o alcoolismo que quase custou a sua própria vida.

"Fundo do poço é uma coisa que pode não existir, pois se você não reage, o poço não vai ter fundo e você vai continuar caindo. Olha, eu caí muito, mas consegui reagir", afirmou o ex-jogador que atualmente comanda um projeto social para crianças carentes e também ministra palestras em escolas e algumas empresas da região.

Atento à movimentação durante o rachão, João Marcos demonstra um pouco da sua liderança dos tempos em que era um goleiro de ponta ao orientar os garotos. "Não quero saber de jogar para trás, aqui não tem caranguejo. Futebol se joga para frente", diz. 

O ex-goleiro João Marcos distribui coletes para meninos de 11 a 15 anos onde ministra aulas de futebol
O ex-goleiro João Marcos distribui coletes para meninos de 11 a 15 anos onde ministra aulas de futebol - Bruno Santos/Folhapress

João lembra quando o vício o comandava. "Eu bebia já quando acordava. Eu era comandado por uma força maior. Bebia até altas horas e chegava em casa turbinado. Meus parentes tiveram que se afastar".

O jornalista Erick Facioli, autor do livro "A maior de todas as defesas", que conta a trajetória do ex-jogador, relata que João Marcos pensou até em suicídio.

"A situação dele era deprimente. Ele pensava em acabar com a própria vida. Como não tinha coragem, continuava se matando com álcool e antidepressivos", afirma Facioli.

​A derrocada de João Marcos teve ligação direta com o fim prematuro de sua carreira, em 1984. Na época ele tinha 30 anos, vivia grande fase no Grêmio e chegou à seleção brasileira. 

Um problema no ombro esquerdo desde a época de Palmeiras já vinha incomodando o então goleiro nos últimos anos. Um médico do time paulista disse que sua contusão era crônica e que ele teria de conviver com o incômodo enquanto fosse jogador. 

Foi quando num Gre-Nal, em um lance na área, seu ombro saiu do lugar. João soltou a bola e o centroavante Kita fez o gol do Internacional. "Ali eu decidi parar de jogar futebol", diz o ex-goleiro.​

João ainda ensaiou um retorno em 1986 após operar o ombro machucado e se ver livre das dores. Foi para o Novorizontino. A sua passagem pelo time do interior, porém, se restringiu a dois meses e a quatro jogos pelo Campeonato Paulista.

Em uma derrota para o XV de Jaú, a torcida de Novo Horizonte se revoltou contra todo o elenco. Na saída do vestiário, sob a escolta de um delegado, João Marcos acabou brigando com um torcedor mais exaltado. O episódio o fez abortar sua volta ao futebol.

João Marcos, ao fundo, observa seus alunos durante o treinamento coletivo na escolinha de futebol
João Marcos, ao fundo, observa seus alunos durante o treinamento coletivo na escolinha de futebol - Bruno Santos/Folhapress

Fora dos gramados, comprou duas fazendas para administrar com o que guardou da época de Palmeiras e Grêmio. Montou ainda uma empresa de perfuração de poços artesianos e uma loja de produtos agrícolas e veterinários, mas os negócios não prosperaram.

 
Foi então que o álcool começou a entrar na sua rotina. Tudo teve início com doses diárias de cachaça com funcionários da sua fazenda. Depois, acrescentou uísque ao seu cotidiano. Em pouco tempo, já bebia meia garrafa por dia.

De volta a Botucatu e já sem muitos recursos, os problemas com a bebida se evidenciaram. "Eu tinha uma revolta muito grande de ter conduzido errado minha carreira. Não procurei outro médico e parei no auge. Não cuidei de mais nada, não pensava em nada", diz João.

Foi quando ele entendeu, com a ajuda dos poucos amigos que restaram, que precisava de tratamento e decidiu se internar em uma clínica para dependentes químicos.

"Eu bebia, bebia, via um lugar, uma praça, e ficava ali. É que sempre passava alguém e me levava para casa."

Para se recuperar, buscou a religião. "Acreditei que Deus me daria força para eu poder mudar o final da minha história", disse João, que frequenta uma Igreja Presbiteriana. 

Já na sua fase de reabilitação, João passou a trabalhar em uma ONG e em projetos com crianças carentes. Como os trabalhos sociais não davam renda, ele fazia limpeza em várias lojas de Botucatu para ajudar a se manter. Criou a Associação Gol Solidário, uma entidade que busca, por meio do futebol, tirar crianças das ruas e do caminho das drogas.

"Tem muitos garotos que pedem para me chamar de pai. Muitas mães me ligam pedindo para aconselhar seus filhos que treinam comigo. Isso é muito gratificante", diz emocionado.

Com o respeito e a dignidade recuperados em Botucatu após se afastar da bebida, João Marcos faz o que está a seu alcance. Ele se reúne com comerciantes, donos de supermercados e pede donativos como tênis e material esportivo para seus alunos. Outra forma de arrecadar alguma coisa e reverter em material para seus alunos é seu trânsito no mundo do futebol.

"Falo com amigos que tenho. Às vezes consigo alguma camisa para fazer rifa". Entre os ex-jogadores com quem mantém contato, está o ex-técnico Emerson Leão. "Somos muito amigos. Fomos companheiros de seleção brasileira."

A carreira

Natural de Botucatu, João Marcos iniciou a carreira no Guarani e num de seus primeiros jogos como titular teve a missão de enfrentar o Santos de Pelé em 1972.

"Só entrei porque o goleiro titular passou mal e levei um gol no primeiro minuto. Achei que minha carreira terminaria ali. Foi quando, no lance seguinte, Pelé cabeceou uma bola e eu fui buscar. Na sequência, ele passou a mão na minha cabeça e disse 'boa bola garoto'. Aquilo me deu moral para fazer um grande jogo", lembra João Marcos.

 
Do Guarani, João foi para o São Bento e lá viveu a sua primeira grande fase quando ganhou o apelido de João do pênalti. Num intervalo de dez dias, ele pegou quatro cobranças.

"O atletismo tinha o João do pulo e eu virei o João do pênalti. Peguei a cobrança de Wilson Carrasco, da Ferroviária." No jogo seguinte, contra a Portuguesa, ele defendeu duas cobranças de Enéas. Por fim, chegou a vez de Dicá, da Ponte Preta, parar no goleiro.  

​De Sorocaba, João seguiu para o Noroeste e suas atuações renderam outro apelido: São João Marcos. "Foi uma boa fase que eu vivi. Ali foi a vitrine para eu ser contratado para o Palmeiras e realizar o sonho de defender uma grande equipe."

A primeira convocação de João Marcos para a seleção brasileira foi em uma excursão à Europa em junho de 1983, com Carlos Alberto Parreira. O Brasil enfrentou Portugal, País de Gales, Suíça e Suécia. Esteve com Zico, Leandro e Sócrates. O ex-goleiro integrou também o elenco que disputou a Copa América no mesmo ano. 

João Marcos foi chamado em 15 convocações. Jogou uma partida com a camisa do Brasil, na vitória de 1 a 0 contra o Uruguai, em Curitiba. 

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