Camisa 24 é 4 vezes mais comum no exterior que no futebol brasileiro

Levantamento de dados em 12 ligas nacionais mostra particularidades dos países

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São Paulo

Na noite desta terça-feira (28), o jogador Flávio entrou em campo pelo Bahia, em jogo da Copa do Nordeste, com a camisa tricolor número 24.

O fato é tão raro no futebol brasileiro que o clube baiano até anunciou, antes da partida, se tratar de uma ação contra a homofobia e em homenagem ao astro do basquete Kobe Bryant, morto no domingo (26) e que imortalizou o número no seu esporte.

No Brasil, o número é associado à homossexualidade de maneira preconceituosa por ele representar o animal veado no jogo do bicho.

 

Durante muito tempo, os jogadores titulares entravam em campo vestidos com camisas de numeração que variava apenas de 1 a 11, de acordo com suas posições em campo. Atualmente, clubes e torneios do país adotam camisas fixas para cada atleta, o que fez a variação numérica aumentar. Mesmo assim, o 24 é praticamente renegado.

Segundo levantamento feito pela Folha, o número é encontrado quatro vezes mais em ligas estrangeiras em comparação com o futebol brasileiro.

Foram analisadas as últimas cinco temporadas completas dos campeonatos nacionais de Alemanha, Argentina, Brasil, China, Coreia do Sul, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão e Portugal. A participação de um jogador com determinado número foi contabilizada apenas na primeira vez que ele o utilizou.

A ocorrência de camisas 24 no Campeonato Brasileiro representou 0,5% do volume total. Entre estrangeiros, essa média é de 2,5%.

Flávio entrando em campo pelo Bahia com a camisa 24
Flávio usou a camisa 24 no jogo do Bahia, em campanha contra a homofobia - Felipe Oliveira-28.jan.20/EC Bahia

A análise também mostrou não se tratar de uma baixa preferência no Brasil por números altos em geral, já que as opções de uniformes adjacentes, 23 e 25, representam 2,26% e 2,34% do total.

Em 2019, nenhum time que estava na Série A começou a temporada usando a camisa 24. O número só não pode ser evitado completamente porque em algumas competições internacionais, como a Copa Libertadores, o regulamento prevê que cada clube use as camisas de 1 a 30.

A discussão sobre o tema voltou a ganhar destaque neste mês, quando o Corinthians apresentou o jogador colombiano Víctor Cantillo, que usava o 24 em seu antigo clube. Durante a entrevista coletiva, o diretor de futebol do clube disse que "24, aqui, não", tentando fazer uma piada. Mais tarde, desculpou-se pelo que chamou de "brincadeira infeliz".

“Esse número é evitado desde sempre, porque esse machismo, esse heterossexismo que a gente verifica no futebol, tem suas modificações, suas transformações, mas é antigo”, diz Luiza Aguiar dos Anjos, doutora em ciências do movimento humano e autora de vários artigos que abordam a homofobia no esporte.

Por diferentes razões, outros números são mais ou menos escolhidos por jogadores em diferentes campeonatos.

Há casos que só a superstição pode explicar. Maradona, assim que chegou ao Gimnásia para ser treinador e tentar evitar o rebaixamento de sua equipe no ano passado, determinou, entre outras coisas, que não fosse mais usada a camisa 13 no clube, considerada de má sorte.

A medida acabou vetada pela federação. Mesmo assim, o número é um dos menos utilizados no país —os campeonatos argentino e holandês são os únicos em que o 13 aparece nas costas de menos de 2% dos jogadores.

Para o professor Ricardo Monezi, especialista em medicina comportamental na Unifesp, um número tem o poder de melhorar ou piorar o desempenho de um atleta em campo. Segundo ele, isso se dá, na perspectiva da medicina do comportamento, pela relação entre as dimensões físicas, psíquicas e sociais do indivíduo.

"Você tem uma história do ser humano, que faz parte de sua identidade social, e que afeta sua psique e consequentemente seu corpo", explica. Isso pode ocorrer tanto por um motivo cultural, como o caso do 13 na Argentina, mas também por uma questão pessoal, como o de Mário Lobo Zagallo, que acreditava que o mesmo 13 lhe trazia sorte.

Na Alemanha, por exemplo, há a tradição de não se usar a camisa 12, uma homenagem às efusivas torcidas que seriam o 12º jogador da equipe. O número representa pouco menos de 1% dos utilizados no Campeonato Alemão nas últimas cinco temporadas.

Só o Japão, com 0,19%, apresenta percentual menor. No Campeonato Japonês, seguindo o mesmo princípio, 16 dos 18 times da primeira divisão aposentaram a camisa 12 em homenagem às torcidas. Apenas o Urawa Red Diamonds e o Sagan Tosu não o fizeram.

Já na França, o número que mais é usado, acima mesmo dos tradicionais 1, 9 ou 10, é o 33.

Isso acontece em razão de uma norma que determina que o 33 não seja fixado a nenhum atleta e fique guardado para jogadores inscritos de última hora –após o clube enviar a numeração final à Liga Francesa ou contratar um atleta durante a temporada. Assim, quase todos os times acabam o utilizando.

A entidade também demanda que os goleiros vistam 1, 16 ou 30 e, caso mais uma camisa seja necessária, a 40.

Diferentemente do futebol, a aposentadoria de camisas é comum em outros esportes, nos quais não há uma tendência a se usar os primeiros números para os jogadores considerados titulares.

No basquete, por exemplo, o Los Angeles Lakers aposentou as camisas 8 e 24, usadas por Kobe Bryant em seus 20 anos de time. Já o Chicago Bulls não usa mais a 23, da lenda Michael Jordan.

No beisebol dos Estados Unidos, nenhuma equipe utiliza a 42, em homenagem a Jackie Robinson, o primeiro negro a jogar na era moderna da MLB, a liga nacional. Exceção é feita no Jackie Robinson Day, em 15 de abril, quando todos os atletas, técnicos e até juízes vestem o número.

No futebol, a seleção argentina tentou homenagear Diego Maradona ao aposentar a camisa 10, com a qual o craque venceu a Copa do Mundo em 1986.

Quando enviou a lista de 23 convocados para a Copa de 2002, os números iam de 1 a 24, excluindo a do ídolo. A Fifa barrou a relação, já que seu regulamento exige que as camisas acabem na 23, e o país foi obrigado a voltar atrás na decisão.

"A camisa 10 tem todo um peso de memórias de outros craques que já jogaram com ela. A simbologia da camisa pesa. Muitas vezes vai fazer o jogador ter medo ou temor de não corresponder às expectativas. É o estigma de ser o 10", diz Ricardo Monezi.

 
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