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Artes marciais resgatam autoestima de mulheres com deficiência

Natane, 26, e Monica, 25, se tornam instrutoras no Instituto Olga Kos, em São Paulo

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São Paulo

Sempre que Natane Serravarro Sena, 26, percebia ser observada por alguém no ônibus, virava de costas, tal a vergonha que sentia.

Monica Pereira dos Santos Rocha, 25, passava o dia calada na escola, pois ninguém conversava com ela. Nem mesmo as garotas com quem brincava quando criança e que pensava serem suas amigas.

“Hoje, se alguém me encara com expressão de pena, eu xingo. Vai ficar com pena de mim por quê?”, questiona Natane, antes de cair na risada. Ela tem síndrome de Jansen, condição rara que provoca nanismo, excesso de produção de cálcio pelo organismo e dificuldade de movimentos.

Monica tem síndrome de Down. As duas serão neste ano instrutoras de caratê e taekwondo, respectivamente, no IOK (Instituto Olga Kos de Inclusão Cultural), em São Paulo. Registradas e com carteira assinada, terão salário pela primeira vez na vida.

“Virar instrutora era o meu sonho. Agora posso ajudar a pagar as contas em casa. Fazer taekwondo mexeu muito com a minha concentração. Eu era muito inibida, ansiosa. Ficava o dia inteiro no quarto escutando música”, relembra Monica, que está no instituto há sete anos.

Ela afirma que a timidez ficou no passado, o que parece ser verdade, porque fala sem parar. Conta a história de quando ouviu de uma garota que costumava ir a sua casa que já deveria estar pensando na faculdade aos 16 anos de idade, não começando o ensino médio.

Monica se emociona com essas lembranças, mas em seguida diz que seu pensamento mesmo está em conseguir a faixa preta até 2021. Ela usa hoje em dia a azul com ponta vermelha. Faltam três graduações antes de atingi-la.. 

O IOK foi fundado em 2007 e atendeu no ano passado 1.142 pessoas entre crianças, adolescentes e adultos com deficiências físicas ou intelectuais. Parte das vagas nos 9 projetos (entre oficinas de artes e esportes) foi reservada a pessoas em situação de vulnerabilidade social e residentes próximos aos locais onde aconteceram as oficinas.

O instituto tem parceria com escolas e a Prefeitura de São Paulo, onde atua nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).

“Nossa estatística é que 90% dos participantes em programas do IOK apresentam evolução”, afirma o gestor de esportes do instituto, Caetano Altenfelder. As aulas são acompanhadas, além dos instrutores, por fisioterapeutas e psicólogos.

A doença de Natane e a produção de cálcio em excesso fazia com que ela tivesse de ir três ou quatro vezes por mês ao hospital com pedras nos rins, uma dor impossível de explicar para quem nunca teve o problema. Com 98 centímetros de altura, ela se recorda que já expeliu um cristal do tamanho de um caroço de laranja.

“Ela começou no caratê há sete anos e depois disso nunca mais teve pedra nos rins”, afirma a mãe da atleta, Sandra Aparecida Esposito Serravarro Sena.

O nefrologista da carateca não tem uma resposta definitiva para a mudança. “Pode ser porque eu comecei a praticar esportes, tomar água com maior frequência e urinar mais. Mas pode ser também por uma questão emocional, porque me sinto melhor comigo mesmo. Estou mais feliz. O caratê mudou a minha vida”, define Natane.

O mesmo vale para as mães delas. Sandra ainda gasta 5 horas entre ida e volta de transporte público para sair de São Mateus, na zona leste de São Paulo, até a avenida Ibirapuera, na zona sul, para os treinos da filha. Mas a situação é muito melhor hoje.

Monica (à dir.), que tem Síndrome de Down e Natane (Síndrome de Jansen), são atendidas pelo Instituto Olga Kos
Monica (à dir.), que tem Síndrome de Down e Natane (Síndrome de Jansen), são atendidas pelo Instituto Olga Kos - Jardiel Carvalho/Folhapress

Além de três viagens por semana ao IOK, ela ainda vai outras duas vezes à AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), onde já fez duas cirurgias e fará a terceira, se quiser. "Não vou obrigá-la a nada", assegura.

“O taekwondo fez com que ela se tornasse uma pessoa mais feliz. E eu também”, concorda Jildete Pereira dos Santos Rocha, mãe de Monica, apesar da oposição do pai, que não queria ver a filha metida com artes marciais porque seriam “coisa de homem”. A mesma contrariedade que Natane encontrou.

Não que elas se importem em lembrar o passado, mas gostam mesmo de falar sobre o futuro. Monica quer se tornar melhor e melhor para continuar como instrutora e, apesar de a mãe dizer não ser uma necessidade, ajudar em casa. Depois de muita insistência, Jildete aceitou que ela fique responsável pela conta de água.

“É a conta menorzinha. A Monica queria pagar a luz, mas respondi que não”, diz ela em voz baixa, para não ser ouvida pela filha.

Faixa preta no caratê, o maior sonho de Natane é participar de uma competição no modelo kata, em que não existe contato, apenas movimentos de exibição —essa modalidade também estará presente na Olimpíada de Tóquio. Ela projeta que isso acontecerá e não vai demorar. Mas não é só isso.

“O que eu quero muito é aprender a dirigir e ter um carro adaptado. No dia em que eu aprender, minha mãe não vai mais me ver”, ela afirma, antes de soltar uma risada que no período pré-esporte não existia.

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