Neve fez goleiro usar meia-calça e Felipão tomar conhaque no vestiário

Livro conta histórias de oito partidas do futebol brasileiro em meio ao gelo na década de 1970

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São Paulo

O goleiro que usou meia-calça, as lágrimas que congelaram durante a partida e o cabelo blackpower branco de Paulo César Caju. Essas são algumas das histórias que o jornalista Henrique Porto conta no livro "Pé-frio, futebol e neve no Brasil", com lançamento previsto para julho.

Um levantamento feito por ele de 2016 ao início deste ano, quando terminou a produção da obra, contabilizou oito jogos disputados sob neve no país, todos em Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, na década de 1970.

A ideia de registrar essas partidas surgiu de uma pesquisa para o seu primeiro livro, "A primeira vez do moleque", sobre a trajetória do Grêmio Esportivo Juventus, de Jaraguá do Sul (SC). Paulista de Jundiaí, Porto vive desde 1989 em Santa Catarina.

Jogo entre Caxias e Grêmio Bagé, com Felipão (de branco ao fundo), em 1979 - O Pioneiro

Enquanto revirava arquivos e jornais antigos para contar a história do Juventus catarinense, se deparou com o relato de um confronto entre Inter de Lages e Avaí disputado na neve, em 30 de maio de 1979. Foi o clique para iniciar seu segundo projeto literário.

"Pensei: 'Isso aqui dá uma história legal'. Comecei a pesquisar e vi que tinha pelo menos mais uns dois ou três jogos mapeados. Sobre aquela noite de 1979, vi que fez frio no Brasil inteiro. Foi ali que comecei a mexer com essas histórias, e aí foram surgindo outras", conta Porto à Folha.

Dos 8 jogos que conseguiu confirmar a presença da neve, 6 foram naquele 30 de maio de 1979, 3 pelo estadual catarinense e 3 pelo gaúcho. Um deles, inclusive, foi transmitido ao vivo para o Rio Grande do Sul. Esportivo e Grêmio, em Bento Gonçalves, teve transmissão da RBS TV, que registrou o empate em 0 a 0.

A equipe da serra gaúcha era comandada por Valdir Espinosa, que depois seria campeão da Libertadores e do Mundial com o Grêmio —ele morreu nesta quinta (27), aos 72 anos, em decorrência de complicações após uma cirurgia no abdômen.

O então ponta esquerda gremista Paulo César Caju, que também venceria as duas conquistas internacionais com Espinosa no comando, ficou com o seu blackpower todo branco.

O goleiro Jurandir, do Criciúma, apelou a uma peça de roupa pouco convencional para a prática do futebol, a fim de espantar o frio que fazia em Chapecó em uma noite de clássico com a Chapecoense.

"O Jurandir estava no hotel, frio para caramba, e pensou: 'A mulherada, quando vai no baile e está frio, coloca meia-calça. Vou lá no centro comprar uma meia-calça e usar para jogar'. Ele ainda se garantiu forrando o corpo com todo o jornal que encontrou pelo caminho", diz Porto. De meia-calça, Jurandir não conseguiu evitar a derrota de sua equipe por 3 a 2, que foi vista no estádio por 178 pagantes.

Com a nevasca que assolou a região naquela noite, a estrada tinha alguns trechos intransitáveis para carros comuns em razão da quantidade de neve. Essa situação forçou o árbitro da partida, José Carlos Bezzera, a pegar uma carona de ônibus para sair da cidade. O veículo, porém, pertencia aos derrotados. Bezzera voltou a Criciúma na cabine, ao lado do motorista e do atacante Ademir.

No livro, Porto também conta a história de um jogador que não conseguiu chorar direito, pois suas lágrimas se congelaram; a do roupeiro do Avaí, que ateou fogo em um latão para esquentar o vestiário; e a do então zagueiro do Caxias que jogou duas vezes na neve, uma em 1978 e outra em 1979, e que depois se tornaria treinador. Ele se chama Luiz Felipe Scolari.

Uma das táticas mais comuns para tentar afugentar o frio era a mistura de café com conhaque, que esquentava o corpo. Felipão, mais de 40 anos depois de atuar na neve, confirma a prática.

"Colocávamos uma peça [de roupa] por baixo da camiseta, para ficar um pouco mais protegido. Depois encharcava e ficava pior ainda. Íamos para o vestiário e tomávamos um café bem quente e um conhaque junto, que dava aquela mudança no corpo, porque enfrentar mais 45 minutos de neve, chuva e barro era horrível", conta o técnico pentacampeão do mundo à Folha.

O autor chegou a essas histórias por meio de pesquisa em hemerotecas, livros e arquivos dos clubes, mas também com a ajuda de colegas historiadores de futebol espalhados pelo Brasil, que se juntam em um grupo de WhatsApp para trocar informações.

Porto não consegue cravar que esses oito jogos tenham sido os únicos na história do futebol brasileiro disputados na neve. Ele desconfia que possa haver no Paraná algum confronto perdido.
Há um Juventude x Fluminense, da década de 1950, que teria acontecido sob nevasca em Caxias, mas que o jornalista não pôde confirmar.

Ele espera angariar mais relatos e, quem sabe, ampliar seu levantamento em um tour de lançamento do livro que fará por 14 cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Os custos da viagem, assim como os de serviços editoriais, estão incluídos na campanha de financiamento coletivo que ele lançou na plataforma Catarse, na qual pôs como meta arrecadar R$ 24 mil.

"A escrita e a pesquisa estão encerradas. O que eu estou revisando é a ficha técnica dos jogadores, porque o livro vai ter a ficha de todos que jogaram essas partidas na neve. [O trabalho do livro] É um hobby, que dá mais prazer do que retorno financeiro", completa.

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