Calor e umidade em Tóquio dificultam tarefa de atletas na estreia olímpica da escalada

Mistura de categorias e sistema de pontuação também confundem esportistas em disputa inédita

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John Branch
Tóquio | The New York Times

Mesmo que houvesse montanhas em Tóquio, alpinistas sensatos não se arriscariam a escalá-las em meio ao calor e à umidade do verão.

Os praticantes da escalada tendem a preferir tempo seco e frio. Eles ficam pendurados pelos dedos e em muitas ocasiões confiam todo o peso de seus corpos a um único ponto de contato —um apoio para os pés, para um cotovelo, um espaço mínimo onde se agarram com os calos das pontas dos dedos.

A gravidade é a grande inimiga da escalada. Mas o suor, como a fadiga, o medo e a impaciência, é mais um adversário. Nessa situação, umidade é um lubrificante que ninguém deseja.

Adam Ondra, da República Tcheca, compete pela escalada no Parque de Esportes Urbanos de Aomi
Adam Ondra, da República Tcheca, compete no Parque de Esportes Urbanos de Aomi - Clodagh Kilcoyne/Reuters

Em todo o mundo, os atletas que estavam treinando para a estreia olímpica da escalada esportiva tentaram simular as condições esperadas para agosto em Tóquio.

Em Brno, na República Tcheca, Adam Ondra aumentou a temperatura do sistema de aquecimento e transformou a sala que abriga a parede de escalada de sua casa em uma sauna, nos últimos meses. Em Salt Lake City, os integrantes da equipe dos Estados Unidos treinaram em um pequeno ginásio aquecido por jatos de ar quente e umidade.

Na terça-feira (3), o primeiro dos quatro dias de competição de escalada, a temperatura no Parque de Esportes Urbanos de Aomi estava na casa dos 32 graus Celsius e a umidade era de cerca de 70%. A sensação térmica era de mais de 37 graus.

As condições não eram ideais, mas tampouco eram inesperadas. As maiores surpresas vieram nos resultados das rodadas eliminatórias masculinas.

Ondra não foi uma delas. Considerado o melhor atleta de escalada mundial tanto no reino das escaladas artificiais, modalidade das Olimpíadas, quanto nas escaladas de paredões naturais em regiões montanhosas de todo o planeta, ele terminou em quarto lugar e avançou para a final masculina, que terá oito atletas e ocorrerá na quinta-feira (5).

As condições continuarão a ser incômodas, especialmente na prova de dificuldade, a última das três disciplinas. É nela que medalhas serão ganhas e perdidas, o que talvez venha acompanhado por quedas inevitáveis de volta ao solo.

“Nós conhecemos todos os pontos de apoio, e portanto sabemos qual deve ser a sensação”, disse Ondra. “E a sensação é a de que você está escorregando. Não dá para se sentir confortável no paredão. É preciso esquecer todo o suor, a umidade, e continuar subindo. É como correr na direção de um risco que pode derrubá-lo inesperadamente.”

Entre os 20 competidores, Ondra ficou em 18º lugar na prova de velocidade, terceiro na de “bouldering” e terceiro na de dificuldade. Os resultados são multiplicados uns pelos outros, no excêntrico sistema de pontuação do esporte, a fim de estabelecer os oito classificados. Na final, todos recomeçam do zero.

Outros resultados inesperados vieram dos Estados Unidos e da França. O norte-americano Colin Duffy, 17, mostrou nervos de aço e uma pegada forte e se classificou em terceiro. Seu compatriota Nathaniel Coleman, 24, ficou em oitavo.

A final também contará com os irmãos Mawem, Bassa e Mickael, da França. Bassa, 36, fez o melhor tempo na prova de velocidade (5,45 segundos) e entrou na final a despeito de ter ficado quase em último lugar nas demais disciplinas –uma lesão no bíceps na prova de dificuldade ameaça deixá-lo fora da final. Mickael, 31, fez o terceiro melhor tempo na velocidade e, inesperadamente, ficou na liderança da prova de “bouldering”, o que lhe valeu a melhor classificação da noite.

Tomoa Narasaki, 25, do Japão, um dos favoritos à medalha de ouro, terminou em segundo.

Entre os atletas que não chegaram à final estavam nomes importantes na escala esportiva como Alex Megos e Jan Hojer, ambos da Alemanha, e o sul-coreano Jongwon Chon.

A eliminatória feminina ocorre na noite de quarta-feira (4).

Laura Rogora, da Itália, compete na escalada nos Jogos de Tóquio
Laura Rogora, da Itália, compete na escalada nos Jogos de Tóquio - Maxim Shemetov/Reuters

De muitas maneiras, a escalada esportiva se sentia simplesmente feliz por estar no centro de Tóquio, participando de uma Olimpíada. Como o skate, o surfe e o ciclismo BMX estilo livre, ela é um dos esportes de ação que estão fazendo sua estreia olímpica, em uma tentativa de trazer mais emoção e despertar o interesse dos jovens por um espetáculo envelhecido.

Mas o mundo da escalada tinha duas grandes objeções a essa estreia, entre as quais o calor. A outra era o formato. A federação internacional, ao ser informada de que o esporte só disputaria uma medalha, foi forçada a escolher que disciplina destacaria: velocidade, dificuldade ou “bouldering”.

Em lugar de escolher, a organização optou por uma prova combinada, com três disciplinas distintas de escalada unidas. Foi mais ou menos como dizer a nadadores, ciclistas e corredores que eles não estavam convidados a competir em suas provas individuais, mas poderiam participar do triatlo.

O australiano Tom O’Halloran definiu o formato como “bastante brutal” e o comparou a combinar arremesso do peso, 100 metros rasos e os 800 metros, no atletismo de pista e campo. Do lado positivo, ele disse, emergiu um tipo diferente de atleta completo, porque os principais praticantes foram forçados a deixar sua zona de conforto pelo desejo de participar de uma edição das Olimpíadas.

O plano é que o esporte tenha pelo menos duas medalhas em disputa na Olimpíada de Paris, em 2024 –uma por velocidade e uma combinada por dificuldade e “bouldering”, que são disciplinas que têm mais técnicas e mais praticantes em comum. A esperança é que, no futuro, o esporte tenha três medalhas em disputa.

A federação criou um sistema combinado de classificação sob o qual a posição do atleta em cada disciplina era multiplicada pela posição nas demais disciplinas para chegar ao placar final. Um atleta que chegasse em terceiro na velocidade, dificuldade e “bouldering”, por exemplo, teria 27 pontos (3x3x3). Um atleta que concluísse em primeiro, terceiro e sétimo teria 21 pontos. O sistema gera intrigas matemáticas e produz resultados imprevisíveis.

A outra grande preocupação com a prova era o clima do verão em Tóquio. Quando a Federação Internacional de Escalada Esportiva realizou seu campeonato mundial em Hachioji, um subúrbio da capital japonesa, em 2019, as provas aconteceram em um centro de convenções equipado com ar condicionado.

A maior parte das provas da Copa do Mundo de escalada acontece ao ar livre em comunidades de montanha, em lugares como as Montanhas Rochosas, nos Estados Unidos, e os Alpes, onde o ar frio raramente apresenta umidade elevada.

Mas os organizadores dos Jogos de Tóquio queriam que o evento fosse realizado ao ar livre, e foi o que aconteceu. A única concessão foi iniciar as provas às 17h, sem sol direto. A brisa do anoitecer tornava as coisas toleráveis, mas o calor ainda era forte e a umidade era intensa, pelos padrões da escalada.

“A maior preocupação com certeza é não escorregar”, disse Duffy. “E é preciso se hidratar e usar mais giz nas mãos do que eu faria nos Estados Unidos.”

A outra questão é o efeito dos apoios, com textura parecida com a de uma lixa, sobre os dedos, cujos calos normalmente rijos são amolecidos pela umidade. “Com mais umidade, a dor é maior”, disse Duffy.

A velocidade foi a primeira disciplina, uma corrida cronometrada ao topo de um paredão de 15 metros de altura, com apoios na mesma posição para todos os atletas. É uma forma fácil de entender e difícil de executar da escalada esportiva.

A maior parte dos classificados para as Olimpíadas são melhores nas outras disciplinas e passaram o último ano ou dois aprendendo a sequência de memória muscular e de impulso vertical requeridos para as provas de velocidade.

Ondra chegou ao topo em 7,46 segundos, um bom tempo para ele, mas longe das melhores marcas mundiais. Isso o deixou em 18º lugar, um multiplicador que o colocou sob pressão nas demais provas.

A segunda disciplina foi o “bouldering”, uma prova de força, imaginação e contorcionismo. Os atletas tentam chegar ao topo de quatro escaladas complexas, executadas sem cordas; as quedas terminam em um colchão de proteção. O número de tentativas que o atleta pode realizar é ilimitado, no tempo disponível para cada um.

Ondra completou dois dos problemas (cada tentativa completada é classificada como um “topo”), chegou à metade do terceiro (o que é definido como uma “zona”) e superou todos exceto dois dos demais atletas. Isso o colocou em sexto lugar na classificação geral, depois de duas disciplinas.

A disciplina final, a de dificuldade, é a prova clássica da escalada: galgar um paredão alto, com o atleta protegido contra quedas apenas por cordas. O objetivo é subir o máximo possível antes que a exaustão e a gravidade vençam.

É a prova em que Ondra é melhor, a mais parecida com as escaladas ao ar livre que ele executa com mais competência do que qualquer outro atleta. Ele escalou metodicamente a maior parte do paredão, boa parte do qual invertido, e com um percurso que se torna mais difícil quanto mais alto o atleta está.

Quando ele escorregou, perto do topo, e ficou suspenso das cordas perto do chão, Ondra desconfiava que o resultado tivesse sido suficiente para levá-lo à final da quinta-feira, preservando sua chance de medalha. E estava certo.

Adam Ondra durante a queda na sua partipação na escalada olímpica, em Tóquio
Adam Ondra sofre queda na sua participação na escalada olímpica - Maxim Shemetov/Reuters

Mas não foi fácil, para Ondra ou qualquer dos demais atletas. A busca por uma medalha nessa excêntrica combinação de disciplinas pode terminar sem aviso nas condições desafiadoras de Tóquio.

Isso não vai mudar. A previsão para o resto da competição continua a ser a mesma: calor, umidade, e forte possibilidade de escorregões esparsos.

Tradução de Paulo Migliacci

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