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Breno Macedo, Michel de Paula Soares e Raphael Piva

Réplica: Resposta a quem rebaixa o boxe olímpico

Instituições e pessoas militando contra o boxe sempre existiram, como aconteceu no passado com o samba e a capoeira

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Breno Macedo

Historiador e mestre em história social do boxe pela Universidade de São Paulo, ex-atleta e atual treinador das equipes MMBoxe e Boxe Autônomo

Michel de Paula Soares

Cientista social e antropólogo, pesquisador do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, atualmente desenvolve tese sobre a formação do boxe olímpico brasileiro

Raphael Piva

Cientista social, mestre em antropologia social e estudante de educação física. É treinador e cofundador do Boxe Autônomo

Causou indignação na comunidade pugilística a publicação de Roberto Dias, intitulada "As lutas nos Jogos", na qual o autor expõe sua aversão à prática do boxe. Os argumentos apontados são utilizados no Brasil desde a década de 1920: o boxe é reduzido a agressão mútua e, portanto, deveria ser proibido e banido dos Jogos Olímpicos. Para o autor, vai chegar o dia em que o boxe sairá do programa olímpico "pelos motivos certos", ou seja, por não merecer ser considerado um esporte.

Instituições e pessoas militando contra o boxe sempre existiram, assim como aconteceu no passado com outras manifestações culturais afrodescendentes, como o samba e a capoeira, ou atualmente com o funk.

Kamshybek Kunkabayev, de azul, co Cazaquistão, durante luta contra Richard Torrez Jr, dos EUA, nos Jogos de Tóquio
Kamshybek Kunkabayev, de azul, co Cazaquistão, durante luta contra Richard Torrez Jr, dos EUA, nos Jogos de Tóquio - Ou Dongqu/Xinhua

Vale lembrar que, no Brasil, o boxe é um esporte praticado majoritariamente por gente pobre e preta, vide a composição da atual seleção olímpica: dentre os sete atletas, não há nenhum(a) branco(a).

Boxeadores e boxeadoras não são galos, muito menos touros, como o autor sugere. São pessoas inteligentíssimas, capazes de associar corpo e mente como poucas pessoas conseguem, capazes de tomada de decisão em milésimos de segundo. Pessoas que escolheram o boxe como profissão. Não é sadismo, não é tortura, não é briga de rua, não é por necessidade.

O autor desconhece completamente a linguagem popular do boxe. Senão saberia que “arrancar a cabeça” é uma provocação, linguagem metafórica comum, diga-se de passagem, no mundo do boxe. E, neste caso específico, foi uma provocação política do hispanocubano Emmanuel Reyes, adepto do movimento anticomunista patria y vida, ao seu rival cubano Júlio César la Cruz. Quem assistiu ao combate viu como ele não só não “arrancou a cabeça” de ninguém como perdeu a luta de forma limpa e técnica.

É claro que existe um aspecto viril exacerbado, algum grau de risco, perigo e possibilidade de lesão, como é comum a todo esporte de alto rendimento. “É coisa séria”, como a gente sempre fala. Contudo, a divisão por pesos busca imputar um equilíbrio técnico e racional ao combate. Qualquer disputa evidentemente desigual ou desleal logo é interrompida pelo árbitro. A desigualdade não é esperada. Mesmo o nocaute é raro no boxe olímpico. E Conor McGregor, definitivamente, não é boxeador.

O que o autor talvez desconheça é o bem que o boxe faz para milhares de jovens e crianças em projetos sociais por todo o país. É preciso lembrar que todos(as) os(as) atletas do time olímpico brasileiro vêm de projeto social. Projetos que tentam tirar crianças do subemprego, da criminalidade e da exploração para colocá-las no esporte olímpico.

Treinadores e treinadoras de boxe, por todas as periferias do Brasil, tentam amenizar o abismo social e econômico existente no país, transmitindo valores e ensinamentos por meio do esporte. Boxe é baseado em reciprocidade, dignidade e justiça, e não em agressão. Salva a vida de milhares de crianças e jovens em bairros, favelas e quebradas de todo o Brasil.

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