Como não chegar bem aos 100

Na pandemia, Brasil seguiu receita para queda da expectativa de vida da população

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

Ana Amélia Camarano, pesquisadora sênior do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), já havia nos alertado. A expectativa de vida ao nascer do brasileiro entraria em queda em 2020 em função da pandemia.

Com dados mais recentes, de 2021, um estudo liderado por Marcia Castro, professora titular da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard (EUA), confirma o que Camarano já previa. Na realidade, a queda será mais forte neste ano. Assim, o assinalado em 2020 não era algo pontual.

bandeira do brasil estendida entre cruzes e balões vermelhos nas areias da praia
Ação da ONG Rio de Paz, entidade de defesa dos direitos humanos, colocou cruzes e balões na praia de Copacabana em homenagem às vítimas do coronavírus no Brasil - Ricardo Moraes - 8.ago.2020/Reuters

Refletindo nossas diferenças regionais, as quedas são mais acentuadas em alguns estados do que em outros. A maior delas, de 3,7 anos, é no Distrito Federal.

Entre as menores, em torno de 2 anos, as dos estados pobres do Nordeste, enquanto na região também pobre do Norte a média fica em torno de 3,5 anos. No Sul, quedas menores. A de Minas é a mais baixa registrada: 1,2. A do estado de São Paulo, 2,1; no Rio de Janeiro, 2,6.

Não há, portanto, correlação entre estados mais ou menos ricos. As diferenças ficam por conta de quais estados seguiram mais ou menos fielmente às (des)orientações vindas do Planalto.

Como não chegar bem aos 100 no contexto de uma pandemia? Simples:

  1. Não respeite a ciência. Ignore o que a OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza;
  2. Estimule aglomerações, de preferência sem o uso de máscaras. Se as utilizar, que só cubram a boca, nariz foi feito para respirar —até onde seja possível;
  3. Promova o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes, que dão ao usuário a sensação de estarem protegidos. Os antimaláricos e os contra piolhos, essenciais;
  4. Trate a Covid como uma gripezinha. Se for um ex-atleta, esqueça o Major Olímpio, entre tantos outros;
  5. Gaste mal os recursos já tão escassos, começando por oxigênio e respiradores;
  6. Interrompa o auxílio emergencial e demore quatro meses para reiniciar outro, bem baixinho, o que levará milhões ao desespero. Entre eles, os desempregados, as mulheres que cuidam de quem precisa e não têm renda, e os jovens que nem trabalham nem estudam;
  7. Se não for suficiente, aumente a insegurança alimentar com uma boa dose de inflação de alimentos. Claro, isso em um país que se ufana da produção recorde de comida para o mundo. Como a fome tem pressa, mais da metade da população brasileira ficará apressada, sem falar dos 20 milhões que não vão almoçar nem jantar;
  8. Faça vista grossa aos que roubam equipamentos hospitalares ou constroem unidades de campanha para logo serem desmontadas –já cumpriram sua missão, a de facilitar a corrupção ceifando vidas;
  9. Permita que o sistema de saúde, público e privado, entre em colapso, o que contribuirá para que não se morra só de Covid-19; também haverá complicações de outras enfermidades, reforçando a queda da expectativa de vida:
  10. Finalmente, celebre, celebre muito. Afinal, não somos o país da alegria? Despencamos 12 pontos no ranking global de felicidade, mas isso é outra história. Celebrem, dos bailes funk da periferia às festas clandestinas nos Jardins ou no Alto Leblon. Ou nas festanças em Brasília. Afinal, são os seguranças, faxineiros e serviçais que morrerão em maior número depois de levar o coronavírus para suas casas.

Seção discute questões da longevidade

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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