Portugal debate segredo de confissão após casos de abuso sexual na Igreja

Parlamento questiona bispos sobre revisão do sigilo após relatório revelar 4.815 vítimas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A divulgação de um relatório revelando milhares de casos de abuso sexual na Igreja Católica em Portugal nos últimos 70 anos colocou em xeque um dispositivo considerado intocável pelo direito canônico: o segredo de confissão.

Em fevereiro, uma comissão independente criada para investigar os abusos revelou que ao menos 4.815 crianças foram vítimas de violência sexual praticada por membros da instituição, especialmente padres, desde 1950. Uma das recomendações do relatório foi que houvesse mudanças no sigilo sacramental.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas Carvalho (dir.), com outros líderes da Igreja Católica em Portugal em uma entrevista coletiva sobre as conclusões do relatório que revelou quase 5.000 casos de abusos sexuais por membros da instituição desde 1950 - Patricia de Melo Moreira - 3.mar.23/AFP

Na última terça-feira (2), a cúpula eclesiástica do país foi convocada para uma audiência no Senado, na qual foram questionados sobre a revisão do sigilo de confissão em casos excepcionais como o de crimes sexuais.

Segundo a imprensa portuguesa, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, bispo José Ornelas, declarou aos senadores que o segredo da confissão é tão antigo quanto a Igreja e que mudá-lo está fora de cogitação. "Esse segredo não é para mim, é para Deus e, portanto, eu não sou senhor dele", disse.

Também convocado pelos parlamentares, o cardeal-patriarca de Lisboa, dom Manuel Clemente, acrescentou que é por causa do sigilo que muitas pessoas desabafam e , quando o padre ouve "alguma coisa destas em segredo de confissão", tem "a obrigação de dizer à pessoa que se está a confessar: agora o senhor ou a senhora vai à autoridade competente dizer o que aconteceu porque isto é um crime público". "Mais do que isso não podemos fazer."

Segundo o Código de Direito Canônico católico, "o confessor que violar diretamente o sigilo sacramental incorre em excomunhão". Em 2019, o Vaticano publicou uma nota reafirmando a inviolabilidade do sigilo, ao qual se refere como "a própria essência do cristianismo e da Igreja". "O inviolável sigilo da confissão provém diretamente do direito divino revelado e está enraizado na própria natureza do sacramento, a ponto de não admitir qualquer exceção no âmbito eclesial, nem, ainda menos, na esfera civil", diz o documento.

Na audiência desta semana no Senado, o coordenador do grupo que investigou os crimes, o psiquiatra Pedro Strecht, defendeu a revisão do segredo confessional e argumentou que a quebra do sigilo no caso de crimes sexuais está prevista para outros profissionais, como no caso de médicos.

Quando apresentou o relatório, Strecht ressaltou que os quase 5.000 casos identificados representam um número "absolutamente mínimo" dos episódios e que são "apenas a ponta do iceberg".

As vítimas levaram em média dez anos para falar pela primeira vez sobre os abusos. Para mais de 40% delas, o primeiro relato foi feito para a comissão independente. Apenas 4% prestaram queixas judiciais.

A causa 'Da Repressão à Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes' tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.