Descrição de chapéu Livros Rio

Livreiro impacta escolas e vidas com plataforma gratuita para escrever livros

Robson Melo, finalista do Prêmio Empreendedor Social 2023 na categoria Inovação para o Século 21, criou edtech que já publicou 2,5 milhões de livros escritos por estudantes

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Robson Melo, fundador da Estante Mágica, participa de roda de conversa com alunos da escola Recanto Lápis de Cor, na Rocinha, que escreveram seus livros pela plataforma Renato Stockler

Rio de Janeiro

Finalista

  • Organização Estante Mágica
  • Empreendedor Robson Melo
  • Site https://www.estantemagica.com.br

Robson Melo, 36, cresceu vendo o avô fazer estantes para a casa dos outros. Nascido e criado na Rocinha, ele se beneficiava do ofício de seu Pedro, um marceneiro e carpinteiro cearense de mão cheia que migrou para o Rio de Janeiro em 1970.

"Meu avô fazia estantes para livros que ele não podia ler", conta. O neto herdava obras doadas pelos clientes. "Cresci na casa de um analfabeto cercado de livros", emociona-se, ao se recordar de como surgia na imaginação de menino a futura Estante Mágica, edtech que fundou com o amigo Pedro Concy.

Apaixonado por educação, Robson Melo fundou a Estante Mágica em 2009, com objetivo de incentivar a escrita e permitir que crianças sejam protagonistas de suas histórias - Renato Stockler/Folhapress

Desde 2009, o negócio social permitiu a 2,5 milhões de crianças escrever seus próprios livros. A Estante Mágica disponibiliza gratuitamente uma plataforma online para 7.000 escolas parceiras, públicas e particulares, no Brasil, Colômbia e México.

Uma delas é a Recanto Lápis de Cor, na entrada da favela onde o empreendedor social viveu até os 28 anos.

Seu Pedro, aos 94 anos e com a memória já falha, mora no alto do morro, na Rua 1, na casa onde deu de presente ao neto um exemplar da 14ª edição de "Dôra, Doralina", com dedicatória da autora.

"Ao Sr. Pedro, lembrança da Rachel de Queiroz. Rio, 30/06/2002", escreveu a cliente do Leblon, que ele só descobriu ser famosa no dia que a escritora morreu.

Ao ver seu Pedro chorar diante da notícia na TV, Robson atentou para a ligação dos dois.

Histórias de vida e dos livros que vão recheando a biblioteca afetiva do advogado, formado pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

Uma estante que guarda títulos infantis produzidos pela tecnologia educacional inovadora que Robson criou.

Entre as obras publicadas pela Estante Mágica, a preferida é "A Fadinha Arco-Íris", de Mirella Louise Alfenas, que escreveu o livro quando fazia um tratamento de câncer.

Relatos tocantes chegam também dos demais membros da comunidade escolar. Robson conta sobre o encontro com a diretora de uma escola, que se atrasara para fazer a matrícula dos pais de um aluno no EJA [Educação de Jovens e Adultos].

"Aos 40 anos, eles queriam aprender a ler. O sonho deles era ler o livro escrito pelo filho."

Na aldeia Tuxi, na Bahia, o professor Alessandro Santos vivencia o poder transformador da metodologia. "As crianças se debruçaram na nossa cultura para colocar no papel vivências e histórias. Eternizaram nossas tradições em cada página, em cada ilustração."

A edtech garante o livro digital gratuito para todos os alunos. A monetização vem pela venda da versão impressa, adquirida pela família ou financiada por crowdfunding, empresas ou secretarias de educação.

Os estudantes da Lápis de Cor exibem seus livros produzidos em sala de aula e festejados em eventos de autógrafos. Um grupo do 5º ano se senta para uma roda de leitura com Robson, em um mergulho sentimental.

É um misto de nostalgia por tudo que cada viela daqui representa para mim, e de esperança, ao oferecer a Estante Mágica em qualquer canto do Brasil, inclusive na Rocinha."

Robson fala de sentimentos conflitantes ao crescer numa comunidade vulnerável. "Por muito tempo, tive vergonha de ter vindo da favela", diz ele, que se apoderou da narrativa de superação já homem feito.

"Muito da vergonha que senti e muita gente sente em relação ao lugar onde mora é pelo estereótipo da falta, da precariedade."

Muito da vergonha que senti como morador da Rocinha e muita gente sente em relação ao lugar onde mora é pelo estereótipo da falta, da precariedade

Robson Melo

Fundador da Estante Mágica

Diante de autores mirins que florescem no morro, a visão é de potência. "Trabalho com uma equipe incrível para toda criança ter o direito de contar a própria história. Estou escrevendo a minha."

No seu caso, o protagonista é filho de um porteiro e de uma ex-empregada doméstica. Antônio Magalhães, 63, bate ponto na portaria do prédio no Flamengo, bairro da zona sul, onde trabalha como vigia.

Emociona-se para falar do filho que aparece no jornal. "A vida de todo mundo dá um livro, mas a do Robson tem muito para contar e ainda mais para acontecer."

Seu Antônio se lembra de o primogênito repetir que queria ser professor. "Um dia você vai ser", encorajava o pai, ao ver o filho ir para escola mesmo debaixo de tiroteio.

Na época de faculdade e estágio, saía 5h30 e voltava meia-noite. "Hoje Robson é mais do que um professor. Ele ajuda os professores. A educação é tudo para minha família e para um Brasil melhor."

Em sua trajetória estudantil, o menino da Rocinha passou por uma escola municipal que tinha o pior Ideb, índice que mede a qualidade do ensino básico.

Encontrou pela frente professores que nem sempre acreditaram em seu potencial. Passou por um vestibulinho para ingressar em uma ilha de excelência, o Pedro II, escola pública federal onde cursou o ensino médio.


No primeiro trimestre, ficou de recuperação em cinco matérias. Com o apoio de voluntários de uma ONG, superou "uma série de gaps".

Tornou-se voluntário. "Passei a ajudar outras crianças e quanto mais ensinava mais consolidava meu aprendizado." Criou uma oficina para produzir um jornal comunitário, onde as crianças contavam histórias que tinham a ver com a realidade delas na favela. "Aí o bichinho da educação me mordeu."

Primeiro membro da família a conquistar um diploma superior, ele se orgulha da história de luta comunitária da família. Sua avó, dona Terezinha, já falecida, foi uma das fundadoras da Coopa-Roca, cooperativa de artesãs nascida na Rocinha.

Robson mora hoje na Tijuca, bairro de classe média da zona norte do Rio, onde vive com a mulher, a advogada Natália Soares, 37.

O casal tem uma filha de 7 meses, Isadora. Robson foi "adotado" por Helena, 6, fruto do relacionamento anterior da mulher.

Os dois se conheceram quando estagiaram juntos. Reencontraram-se anos depois, quando Robson já havia trocado de profissão.

"A Estante Mágica é parte de quem ele é. Faz sentido com a história dele", diz Natália.

Na estante doméstica, livros recentes sobre parentalidade dividem espaço com títulos como "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire, patrono da educação brasileira. Obra que é bússola para o neto do seu Pedro levar adiante sua Estante Mágica.

ESTANTE MÁGICA EM NÚMEROS

  • 2,5 milhões de crianças impactadas e 1,9 milhão de famílias alcançadas pelo projeto
  • 170 mil professores foram capacitados pela iniciativa para a produção textual criativa e autoral
  • 2,5 milhões de e-books e 2 milhões de livros físicos personalizados por crianças
  • 7.000 escolas —40% delas no ensino público— de 3.000 cidades brasileiras receberam ações do projeto

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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