'Antes, a gente era um Brasil fora do Brasil', diz jovem quilombola

Andreza Santana é testemunha da importância das ações da Rede Cidadania Quilombola, finalista do Empreendedor Social na categoria Soluções que Inspiram

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Cachoeira (BA)

A comunicóloga Andreza Viana de Santana, 27, apresenta a visitantes do Recôncavo Baiano o que chama de "um país quilombola". Da feitura artesanal da farinha à vivência no terreiro de umbanda.

"Chamamos essa experiência de aula viva", diz ela, que saiu da faculdade e voltou para a comunidade na baía do Iguape. "Nunca vamos parar de correr atrás da nossa história."

O programa turístico Rota da Liberdade faz parte das ações estruturantes em 18 quilombos da região coordenadas pela Rede Cidadania Quilombola, finalista do Prêmio Empreendedor Social na categoria Soluções que Inspiram.

Andreza Viana (5ª mulher da esquerda para a direita, na foto) saiu da faculdade, voltou para a comunidade na baía do Iguape e hoje integra a Rota da Liberdade - Renato Stockler/Folhapress

Um dos pilares da iniciativa é a formação de núcleos produtivos para o fortalecimento cultural e econômico da região, além da moeda própria e das rotas turísticas.

A seguir, Andreza relata como o turismo é organizado e o que os viajantes encontram ao mergulhar na realidade quilombola.

"Vieram fazer reportagem aqui no quilombo. Eu tinha 15 anos. Contei toda a história com segurança de tudo o que tinha ouvido, vivenciado e aprendido com familiares, parentes e amigos quilombolas. Aí a entrevistadora me disse que eu poderia ser jornalista.

Minha mãe respondeu que a profissão não daria certo, ainda mais onde a gente vive. Eu queria engenharia ambiental, mas optei por comunicação.

Na faculdade, em Salvador, quando pediam que fizesse um perfil, não queria escrever sobre modelo famosa ou artista de TV. O que me encantava era falar sobre a nossa xaropeira, nossa griô [pessoa que detém a memória do grupo e atua como difusora de tradições].

Como uma mulher negra, jovem, sai da academia e voltei para a comunidade. Aí, sim, vim falar de minha gente, dos meus ancestrais, da origem do meu povo.

Nunca vamos parar de correr atrás da nossa história. É isso e até mais que fazemos nas visitas que realizamos nos quilombos. Chamamos essa experiência de aula viva.

O primeiro contato que o visitante tem é comigo. No segundo semestre, recebemos mais estudantes, enquanto no primeiro, mais turistas, até estrangeiros.

Dias desses, recebi ligação de escola particular que traria alunos para conhecer o quilombo, e a pessoa pediu para incluir batata frita no cardápio.

Eu: ‘Minha senhora, o que podemos fazer é incluir banana-da-terra frita’. Comemos o que plantamos e o que coletamos em nossa baía.

Nosso formato não é o de turismo tradicional. Recebemos 60 alunos adolescentes, na época de São Cosme e Damião, em setembro. Fizemos uma brincadeira coletiva, chamada galinha gorda, na qual jogamos ‘queimado’ (doce) para os participantes.

Ficaram dois dias, com todas as refeições naturais quilombolas. À noite, promovíamos interatividade com roda de conversas, entrevistas, samba de roda, oficinas de percussão e dança, além de cultivo de ostras.

Doze israelenses conheceram o Kaonge, sede dos 18 quilombos que atuam juntos. Usamos gestos, linguagem corporal, desenhos e nos entendemos. Isso é gratificante. Não temos intérprete em inglês, mas, em breve, teremos.

Precisamos de melhorias, e todo recurso arrecadado com os visitantes é revertido para a comunidade. Só neste ano, recebemos 148 grupos, o que significa 7.000 pessoas. Os preços vão de R$ 70 a R$ 530, com hospedagem e refeições em roteiro de imersão de dois dias.

É ação conjunta, baseada na economia solidária, que mantém viva nossa cultura, compartilhada com quem vem nos conhecer. Criamos três roteiros que passeiam por história, cultura e modo de viver.

Apresentamos a feitura artesanal da farinha, a do azeite de dendê, a do xarope da rezadeira, benzedeira, vivência no terreiro de umbanda. Em sintonia com a natureza, traduzo nossa ancestralidade, espiritualidade, cultura, religião, comida, plantas medicinais, a nossa organização coletiva.

E que venha gente daqui e de fora para conhecer o nosso Brasil. Um país quilombola."

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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