'Falta de água é só a ponta do iceberg da fome no sertão', diz empreendedor social

Live sobre insegurança alimentar na região do Semiárido brasileiro discutiu vulnerabilidade hídrica e nutricional na região

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São Paulo

"A falta de água é só a ponta do iceberg da fome no sertão. A partir da água é preciso desenvolver vários outros projetos e programas", afirmou o empreendedor social José Carlos Brito, que fundou a ONG Novo Sertão em Betânia do Piauí (PI), durante bate-papo ao vivo na TV Folha nesta quarta-feira (13), transmitido pelo YouTube.

O Papo de Responsa discutiu a insegurança alimentar no Semiárido brasileiro, região marcada pela seca e historicamente associada ao flagelo da fome no Brasil, que ocupa 63% do território do Nordeste do país, onde cerca de 12 milhões de pessoas convivem com a insegurança alimentar grave, segundo dados do Inquérito de Segurança Alimentar elaborado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan).

O debate foi promovido pelo projeto "Fome de quê? Soluções que inspiram", a atual Causa do Ano da Folha Social+. A iniciativa, que traz a temática da insegurança alimentar para todas as plataformas do jornal, conta com o apoio da VR e da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

Brito, conhecido em parte do sertão do Piauí como Zé da Água, disse que muita gente avalia que a grande solução para o sertão é furar poços. "Não é porque uma grande parte do Semiárido tem água salobra que não pode ser usada para a agricultura. Portanto, as estratégias precisam ser diferentes. Uma delas é a captação de água da chuvas."

O empreendedor criou um projeto de quintais produtivos agroecológicos para famílias da zona rural de Betânia do Piauí que viviam em situação de insegurança alimentar. "A nossa filosofia é produzir o ano inteiro, mesmo que, em alguns momentos, a produção seja menor. Isso, aos poucos, tem acontecido."

Ele destaca o caso de Israel. "É um 'case' de sucesso porque lá chove metade do que chove no Semiárido, e, mesmo assim, eles desenvolveram várias técnicas de produção agrícola."

Segundo a nutricionista Poliana Palmeira, professora da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, e que integra a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a vulnerabilidade do sertanejo está enraizada nas dificuldades de acesso à água.

"Esse perfil histórico foi retratado na obra do geógrafo Josué de Castro [autor de Geografia da Fome], que fez o primeiro mapa da fome no Brasil e mostrou como a ausência de investimentos governamentais que pudessem promover desenvolvimento e o acesso a água na região Nordeste criou um perfil de vulnerabilidade social e de fome na região", explicou Palmeira.

Palmeira apontou que houve um período de investimento real na região que mudou essa realidade. "Houve a estratégia do Fome Zero, programas de cisternas e projetos de desenvolvimento agrário que garantiram algum acesso à água, e a gente viu a melhora do indicadores de insegurança alimentar", afirmou. "Mas o desmonte de políticas públicas e a pandemia fizeram a região voltar a índices elevados de fome."

De acordo com dados da pesquisa de 2022 da Rede Penssan, 21% da população do Nordeste convive com a fome, 17,5% vivem em insegurança alimentar moderada (quando qualidade e quantidade de alimentos estão comprometidos) e 29,5% estão em insegurança alimentar leve (quando a família reduz a qualidade dos alimentos para que haja o suficiente para todos).

"A seca é cíclica. A insegurança alimentar persistente é crônica na região rural do Semiárido. Portanto, precisamos construir estratégicas de convivência com a seca, que sempre vai existir", disse. "Como o Semiárido é formado por municípios pequenos, em que grande parte das famílias estão engajadas em atividades de agricultura, é importante que haja políticas públicas voltadas para a agricultura familiar no sertão."

O engenheiro João Carlos Antiqueira, voluntário da área de projetos da ONG Amigos do Bem, que atua há 30 anos na região do Semiárido, destacou que o sertão nordestino "são vários".

"Existe uma diferença muito grande, inclusive da disponibilidade de água, que acaba pilotando as atividades econômicas que conseguimos levar a um lugar e não para outro. Não dá para ter um projeto único para toda a região", explicou.

Antiqueira citou como exemplo o sertão do Alagoas, onde a perfuração de poços leva a águas salobras. "Nesses lugares, desenvolvemos projetos de artesanato e de oficinas de costura."

"O sertanejo planta no São José, em março, para colher no São João, em junho, o mês tradicional de colheita e, portanto, de fartura. É um período restrito de produção. Se entendermos a água como único bem que vai resolver sozinha o problema do sertão, não vai dar funcionar."

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