Descrição de chapéu Causas do Ano Dias Melhores

Projeto une assentados, fazendeiros e multinacional para plantar 12 milhões de árvores

Instituto faz restauração de mata atlântica em larga escala no Pontal do Paranapanema (SP)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Teodoro Sampaio (SP)

Ingá, goiabeira, cedro rosa, aroeira pimenteira, embaúba, jacarandá… Uma a uma, as árvores nativas da mata atlântica são plantadas na terra sulcada, com uma distância de 2 metros de uma para a outra.

As mudas estão divididas em grupos de 50, enroladas de forma sequencial, em um mix que garante a diversidade de espécies. Os rolinhos, chamados popularmente de "rocamboles", não são muito maiores do que maços de temperos, mas irão se transformar em uma floresta. Para isso, são colocados em máquinas plantadeiras, que agilizam o processo e trazem mais ergonomia para o agricultor.

"Parece que estamos em uma lavoura de cana, mas estamos plantando árvores. O nível de operação, de sofisticação e de escala é muito parecido", compara o engenheiro florestal Laury Cullen Jr., pesquisador do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e coordenador do projeto ARR Corredores de Vida.

Culley e sua equipe estão na fazenda Santa Rosa, em Euclides da Cunha, município do Pontal do Paranapanema, no extremo oeste do estado de São Paulo. Com 448 hectares (o equivalente a 448 campos de futebol), o terreno era usado como pastagem para gado, como tantos outros da região, até que um grupo de fazendeiros o transformou em uma reserva legal — área de vegetação nativa que todo imóvel rural precisa manter no Brasil, de acordo com o Código Florestal.

Sem fins lucrativos, o IPÊ restaura áreas de mata atlântica no Pontal desde 2002, em um trabalho que resultou no maior corredor já reflorestado na mata atlântica no Brasil. São 2,4 milhões de árvores plantadas ao longo de 12 quilômetros, que unem duas unidades de conservação: o Parque Estadual Morro do Diabo e a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto.

O projeto Corredores de Vida conecta fragmentos florestais remanescentes por meio desses corredores ecológicos, o que contribui para a conservação de espécies, inclusive aquelas ameaçadas de extinção, como o mico-leão-preto.

"Ter uma grande ilha de floresta é melhor do que ter várias florestas isoladas", explica Cullen Jr., que coordena o programa.

Nos 20 anos em que atua com restauração de mata atlântica na região, o instituto plantou 6,7 milhões de árvores em 3.500 hectares, com o financiamento de programas governamentais, empresas e ONGs brasileiras e estrangeiras.

A diferença, agora, é a escala. Em 2021, o projeto incorporou a geração de créditos de carbono, mediada pela empresa Biofílica Ambipar Environment, e multiplicou sua área de atuação de 7 para 30 municípios.

Um financiamento anunciado em 2023 permitiu acelerar fortemente o ritmo do plantio. O objetivo é chegar a 12 milhões de árvores, em 6.000 hectares, até 2026 — quase o dobro do que já foi feito em duas décadas. O valor foi doado pela multinacional biofarmacêutica AstraZeneca, que tem a meta de plantar globalmente mais de 200 milhões de árvores até o fim de 2030.

No fim de junho, a iniciativa finalizou sua primeira fase, com 2 milhões de árvores plantadas em 1.000 hectares. Também em junho, o projeto foi auditado pela Verra, maior certificadora mundial de compensações voluntárias de carbono.

O objetivo é chegar a 75 mi hectares, que são áreas de passivos ambientais mapeadas como prioritárias pelo IPÊ.

Conflitos de terra

O processo de restauração florestal do IPÊ no Pontal do Paranapanema começou em um período conturbado, com a região explodindo em conflitos fundiários. Historicamente, a ocupação das terras daquela área tinha sido marcada pela grilagem e, na década de 1990, grandes fazendeiros e organizações como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se enfrentaram em confrontos violentos.

Naquela época, Cláudio Pádua, fundador do instituto, procurou lideranças do MST. "Eles me disseram: Você quer plantar árvore? Então vamos. Trocamos um aperto de mão e começamos a plantar árvores juntos", conta. "Eles perceberam claramente a necessidade de ter floresta."

Hoje, muitos trabalhadores contratados pelos projetos de restauração do IPÊ são assentados da reforma agrária, e 5 dos 11 viveiros comunitários apoiados pela instituição estão localizados em assentamentos.

A gestora ambiental Marta Aparecida da Silva, 52, que em uma empresa de plantio para restauração florestal de mata atlântica no Pontal do Paranapanema (SP)
A gestora ambiental Marta Aparecida da Silva, 52, que em uma empresa de plantio para restauração florestal de mata atlântica no Pontal do Paranapanema (SP) - Flávia Mantovani/Folhapress

Dona de uma das empresas responsáveis pelo plantio no dia da visita da reportagem, a gestora Ambiental Marta Aparecida da Silva, 52, diz que cerca de metade de seu quadro de funcionários vêm de assentamentos da região. Com o sistema semi-mecanizado atual, cada agricultor de sua equipe consegue plantar em torno de 1.200 árvores por dia, contra 200 a 300 pelo método manual.

Com o passar dos anos, o IPÊ ganhou a confiança também de grandes proprietários de terras, do poder público e de outros segmentos da população local, o que culminou em uma situação impensável há alguns anos: trabalhadores sem-terra plantando florestas dentro de grandes fazendas.

"Estamos vendo um fenômeno espetacular, que são assentamentos, fazendeiros, ambientalistas, empresas e governo, todo mundo junto para criar uma paisagem sustentável", afirma Pádua.

O plantio é feito nas áreas que os proprietários de terras devem destinar, por lei, à conservação e à reabilitação da biodiversidade no imóvel rural.

"Não vou usar a hipocrisia e dizer que a gente faz por gosto. A gente faz por necessidade. Eu tinha um passivo ambiental, comecei plantando [árvores], mas desanimei no primeiro ano, porque essa não é a nossa atividade, é outro tipo de conhecimento", diz Marcos Meirelles, proprietário da fazenda Santa Rosa, que herdou a fazenda do avô. "Eles [o IPÊ] têm conhecimento, equipes contratadas, recursos para fazer isso em grandes áreas", diz, comparando o trabalho de restauração que ocorre ali a uma "lavoura de floresta".

Tecnologia para a restauração em escala

Para plantar em larga escala, o IPÊ e seus parceiros estão recorrendo à mecanização de processos. "Nossa capacidade de restauração era de 100 a 200 hectares por ano. Hoje a gente faz isso em um mês", diz Cullen Jr.

Uma das estratégias se dá bem antes do plantio definitivo, no desenvolvimento das mudas. A ONG adquiriu uma máquina de fabricação de biopotes, tubetes de substrato envolvidos em papel biodegradável, que substituem os tubetes de plástico tradicionais.

Além do benefício ambiental, o sistema permite que as raízes atravessem o papel e se mantenham mais próximas do natural, o que facilita o desenvolvimento das mudas no campo e reduz custos com replantio.

Outra vantagem é que o tubete ecológico é plantado diretamente na terra, o que reduz perdas — pelo método tradicional, no processo de retirada do tubo, algumas mudas se desfazem.

Um dos locais que começaram a usar os biopotes é o Viveiro Mata Nativa, situado no município de Teodoro Sampaio, onde fica a sede do IPÊ no Pontal. A proprietária, Maria Regina dos Santos, 56, conhecida como Marcela, diz que algumas plantas que antes demoravam 6 meses para ficar no ponto para serem comercializadas, pelo novo método ficam prontas em 90 dias.

Seu viveiro produz mudas de 86 espécies, e ela reconhece rapidamente cada uma. Mas nem sempre foi assim. "Nasci aqui, mas eu não conhecia nada. E você não gosta daquilo que não conhece."

Marcela, que ganhava menos de um salário mínimo trabalhando na cidade, trocou o salto alto pela bota, se capacitou para trabalhar com mudas, passou de funcionária a sócia e hoje tem seu próprio negócio.

A cadeia da restauração movimenta a economia regional, e hoje o IPÊ é o quarto maior empregador do município.

Uma das primeiras viveiristas da região, Iraci Lopes Corado, 61, conta que seu pai, assim como muitos camponeses de sua época, trabalhou para madeireiras, cortando árvores. Hoje, os filhos de Iraci ajudam a cuidar do Viveiro Viva Verde, que garante 100% da renda da família.

Moradora da região desde que nasceu, ela acompanhou a mudança que a restauração trouxe. "Antes aqui era tudo pasto. A gente via longe. Hoje é tudo mata, você vê várias espécies de pássaros. A paisagem está completamente transformada."

A jornalista viajou a convite do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), AstraZeneca e Biofílica Ambipar

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.