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Guga
poderia virar um assassino?
Dois jovens,
quase a mesma idade, poucos meses de diferença, comoveram,
na semana passada, o Brasil.
Um deles é branco, 23 anos, ganhou fama com uma raquete de
tênis na mão. Outro, negro, 22 anos, ganhou fama com um revólver
na mão.
Na segunda-feira, Gustavo Kuerten, o Guga, cercado de fãs,
se deixava fotografar em frente à Torre Eiffel, com o troféu
que levou no torneio de Roland Garros, que projetou-o para
o primeiro lugar do ranking mundial _ e o deixou U$ 600 mil
mais rico.
Naquele mesmo dia, Sandro do Nascimento, cercado de policiais,
depois de um atabalhoado sequestro, era jogado num camburão,
onde morreu sufocado _ ele queria R$ 1 mil.
Ambos foram acompanhados, minuto a minuto, em tempo real,
seja na quadra de tênis ou no ônibus. Cada qual ficou em seu
palco, quase quatro horas, conectados pela TV. Mas o suspense
provocado pela raquete de Guga, nas quase 4 horas que precisou
para derrotar o adversário, nos ensina sobre o que melhor
podemos ser, graças à união da técnica, talento e perseverança.
O suspense de Sandro, também quatro horas no ônibus em que
tinha o mundo adversário e uma refém nos braços, nos ensina
sobre o que pior podemos ser, graças à união da falta de técnica,
despreparo e omissão.
Pelo seu jeito desengonçado, Guga não inspirava confiança
quando ganhou pela primeira vez Roland Garros e rompeu a barreira
do anonimato.
Sandro nunca inspirou confiança e só rompeu a barreira do
anonimato quando sequestrou, matou e foi assassinato _ seu
único dia de notoriedade foi também seu último dia de vida,
ele que escapara da notória chacina da Candelária.
*
Se, numa
hipótese absurda, jogássemos Guga, naquele mesmo ano em que
nasceu, no ambiente que levou Sandro para a rua, provavelmente
estaria preso ou morto. Guga chegou aonde chegou porque recebeu
apoio, estímulo e orientação.
Vimos, pela TV, que, encerrado o jogo, domingo passado, ele
quis saber onde estava seu técnico e, estilo menino travesso,
subiu as cadeiras para abraçá-lo.
Nas saudações, falou de seus familiares e, num simpático gesto
provinciano, mandou pelas câmeras beijos para os parentes.
Sabia que, por trás do troféu, estavam os familiares e o técnico.
Todo grande vencedor tem uma grande dívida com alguém que
o ajudou a prosperar.
*
Sandro
chegou aonde chegou porque, ao contrário, lhe faltou apoio,
estímulo e orientação.
Não teve ajuda da família, da escola ou de instituições públicas.
Pior, elas apenas serviram para marginalizá-lo, mantendo-o
deseducado e, por consequência, desempregado.
Por trás do corpo asfixiado estava a família desestruturada,
devastada pela violência e drogas.
Todo grande derrotado também têm um grande crédito com alguém
ou algo que o ajudou a afundar.
Nessa quadra chamada Brasil, Guga e Sandro estavam divididos
exatamente pelas linhas que incluem e excluem, que dão ou
tiram chances, que fazem prosperar ou regredir.
A quadra que faz derrotados e perdedores.
*
Se temos
mais medo e vergonha do Brasil do que orgulho e confiança
é porque nossas linhas divisórias criam mais espaço para gerar
Sandros do que Gugas.
Desemprego, subemprego, baixos salários, educação pública
ruim, políticas públicas indigentes para recuperar jovens,
tratar drogados e assessorar famílias desestruturadas, são
os fatores que empurraram o transtornado Sandro para dentro
daquele ônibus, no Jardim Botânico.
Os números mostram, com clareza, como o desemprego atinge,
mais pesadamente, em particular aqueles com baixa escolaridade.
E também mostram como a renda está caindo especialmente nas
regiões metropolitanas.
*
Deterioração
das regiões metropolitanas, baixa escolaridade, desemprego
acentuado entre os jovens, são as linhas dessa quadra de exclusão.
Nesse jogo da morte, não há polícia que, de fato, funcione.
Nem prisão que abrigue tantos delinquentes.
Vamos seguir produzindo mais chances de Sandros do que Gugas.
Somos, enfim, uma nação de perdedores.
*
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