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Sempre
ouvi dizer que quando os médicos não sabem o que o
doente tem, dizem com a firmeza das certezas inapeláveis:
"É um vírus". Pronto. O sujeito pode estar
simplesmente resfriado, ou a um passo do enfarte fatal, tudo bem,
não é nada, ele está com um vírus.
Durante séculos a humanidade morreu de diversas formas, de
peste, de fome, de guerra, de doenças específicas
como a lepra, a tuberculose. Ninguém morria de vírus.
Daí que nunca me importei com eles, até o bendito
dia em que comprei o primeiro computador, um 496 hoje aposentado.
O cara que veio me ensinar os macetes me alertou sobre os vírus
eletrônicos. Na realidade, só tentou me ensinar como
evitá-los, expurgá-los e odiá-los. Por mais
que ele insistisse, não consegui me entusiasmar no ódio
contra o vírus, pois achava que, tal como na medicina comum,
o vírus não era de nada.
Não dou bola nem mesmo quando o João Ubaldo, que também
tem horror aos vírus e alerta seus correspondentes contra
a malignidade deles, manda avisos terríficos contra os inimigos
de sua cidadela virtual.
Até que meu dia chegou. Minha amiga Isa Pessoa, editora da
Objetiva, mandou-me carinhoso e-mail cobrando-me uma tarefa. Acompanhando
sua mensagem, entrou uma outra, pedindo desculpas em inglês:
"I am sorry".
Muita gente já sabia desse vírus, menos eu, que sou
desligado dessas coisas. Abri o e-mail e, por Júpiter!, foi
uma devastação. Como tenho mais dois notebooks em
rede, todos ficaram contaminados. Tive de apelar para entendidos,
zeraram tudo, deletaram todos os meus programas, instalaram outros,
perdi tempo e dinheiro com isso.
Descobri que todos têm razão no ódio contra
o vírus. Só que o nome deve estar errado. Pelo modo
como se espalha e é letal, merecia ser chamado de câncer
- ainda que um câncer virtual.
Leia colunas anteriores
03/10/2000 - Óleo
de fígado de bacalhau
26/09/2000 - A
selva do asfalto
19/09/2000
- O
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12/09/2000 - O
Homem e o animal
05/09/2000 - Salto
em rede
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