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Amsterdã - Uma praga que atingiu o cinema de ficção
no ocaso dos anos 90 chega agora aos documentários. É
o fetiche da longa duração. A tendência que marcou
o Oscar do ano passado e Cannes 2000 acompanha nesses dias o principal
festival internacional
de documentários, o de Amsterdã, na Holanda.
Os
parâmetros, claro, não são os mesmos para ficção
e não-ficção. Noventa minutos é em geral
o piso de duração dos primeiros e o teto dos segundos,
nas sessões comerciais tradicionais. No caso do documentário,
estes limites são historicamente mais frouxos, dada, por
exemplo, a importância fundamental da produção
não-ficcional de curta-metragem. Para ficarmos apenas entre
nós, a série Brasilianas de Humberto Mauro, "Aruanda"
de Linduarte Noronha, "Di" de Glauber e "Ilha das
Flores" de Jorge Furtado são - lembre-se - curtas.
O argumento
foi bem brandido aqui pelo crítico e historiador holandês
Hans Schoots numa cerimônia no início da semana. Era
o lançamento por Schoots da versão em inglês
de sua obrigatória biografia de Joris Ivens (Living Dangerously
-A Biography of Joris Ivens, Amsterdam University Press,
info@aup.uva.nl). Ao invés dos agradecimentos de praxe,
Schoots utilizou a própria obra de Ivens para alfinetar o
inchaço do documentário recente. "Ivens rodou
72 filmes. 46 eram curtas. Entre eles, alguns dos mais importantes,
como "Chuva" e "A Ponte"", lembrou o biógrafo.
"Nenhum dos filmes concorrentes no festival é um curta".
De
fato, um único dos 27 concorrentes ao prêmio Joris
Ivens de melhor filme neste ano tem menos de uma hora. Quatro beiram
as duas horas. A questão, sabe-se, é mais relativa
do que absoluta. Há filmes cuja complexidade estrutural ou
curva expositiva exige longas durações -a prova está
no cinema essencial de Marcel Ophuls (Hotel Terminus) e Johan van
der Keuken (Amsterdam Global Village).
Nada
parecido apareceu pelas telas de Amsterdã. O comentário
mais corrente é o da monotonia e repetitividade da maior
parte dos concorrentes -em todas as categorias (há disputas
ainda para video e filmes de estreantes. Os vencedores serão
conhecidos na noite de hoje).
O estigma
da produção televisiva explica parte dos excessos.
O limite de 52 minutos tornou-se norma para obras realizadas em
parceria com TVs -virtualmente toda a produção européia
contemporânea, rumo que o Brasil tarda em seguir. Com isso,
documentários com menos de uma hora de duração
passaram a ser discriminados como obras menos criativas ou autorais
dada a formatação em sintonia com a televisão.
É
uma hiper-simplificação. Claro que há uma distinção
entre documentários e especiais jornalísticos, filmes
autônomos e mini-séries. Não vejo, porém,
como discutir a estatura estética e cinematográfica
de "Notícias de Uma Guerra Particular" (1999),
de João Moreira Salles e Kátia Lund, para ficar num
exemplo nacional recente, ou do clássico "Primary"
(1961), rodado pelos irmãos Maysles durante a campanha presidencial
de JFK, para lembrar um
dentre os tantos clássicos do "cinema-direto" cuja
vitrine preferencial também foi a televisiva. Ambos, aliás,
têm menos de uma hora de duração.
O documentarismo
internacional teria muito a ganhar recuperando a concisão
de um Ivens, um Álvarez, um Grierson, um Cavalcanti. Resta
torcer para que os realizadores brasileiros saibam evitar o estigma
do "longa pelo longa" neste momento de retomada de produção.
A mensagem
de Amsterdã é clara: nem sempre tamanho é documento.
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2001: O mundo contra Ang Lee
16/11/2000 - Na rota do documentário
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09/11/2000 - A hora do "Oscar" Europeu
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26/10/2000 - Macartismo sexual
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