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Órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia encarregado de elaborar
"pareceres técnicos conclusivos" sobre a liberação de organismos
geneticamente modificados no ambiente; autorizou a soja transgênica
Roundup Ready, da Monsanto, em 1998, dispensando relatório de impacto
ambiental, agora exigido na Justiça
"As rotinas que estão integradas aos sistemas abstratos são centrais
à segurança ontológica em condições de modernidade. Contudo, esta
situação cria também novas formas de vulnerabilidade psicológica,
e a confiança em sistemas abstratos não é psicologicamente gratificante
como a confiança em pessoas o é", diz Giddens no livro "As Consequências
da Modernidade" (Editora Unesp)
Uma questão de confiança
Quando aceitei fazer esta coluna para o Folha
Online, há oito meses, fui movido pela convicção de que todo e
qualquer escaninho do espaço público deve ser utilizado para explicar
e debater ciência.
Afinal, a sociedade tecnocientífica dos dias atuais se funda sobre
um paradoxo, a presença crescente de produtos da pesquisa e uma decrescente
capacidade, dos indivíduos e do público, para entender o que está
se passando. Tudo vira espetáculo, da estação espacial à última terapia
genética, mas não existe uma crítica de ciência, como há para as encenações
tradicionais (teatro, música, cinema, literatura).
Está perdido quem acha que não precisa nem vai precisar disso.
Um exemplo ajudará a ilustrar do que se trata. Esta semana participei
de um seminário sobre biotecnologia promovido pela Abia
(Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação). A favor dos
alimentos transgênicos, claro (o seminário). Alguém que provavelmente
não leu meu livrinho sobre o assunto (leia apreciação
do filósofo Hugh Lacey no "Jornal de Resenhas") para a coleção
Folha Explica (Publifolha)
me convidou e, mais uma vez movido pela convicção mencionada, lá fui.
O melhor do encontro foi uma questão de Antonio Monteiro, responsável
pela área de direito ambiental do afamado escritório Pinheiro
Neto Advogados. Ele perguntou se não haveria um pouco de exagero
juvenil na idéia de que a imprensa deve municiar o público para que
ele possa acompanhar e controlar o trabalho de órgãos como a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Por seu raciocínio, ainda que retoricamente formulado como pergunta,
seria o caso de deixar esses assuntos altamente técnicos com os especialistas,
de confiar nos encarregados, pelo poder público e na forma da lei,
de disciplinar o assunto.
Ora, é essa, justamente, a questão central das sociedades tecnocientíficas.
No instante em que se toma consciência de que tais decisões são também
-necessariamente- políticas, e não só baseadas em informações científicas
inequívocas, essa confiança deixa de ser um dado, um pressuposto da
vida social. Ela tem de ser constantemente testada e reafirmada, e
é bom que assim seja.
No caso da CTNBio,
a mera possibilidade de que suas decisões sejam interpretadas como
mais favoráveis aos interesses da indústria da biotecnologia do que
aos do público (e, a esse respeito, nada ajuda contar com um empregado
da Monsanto entre os conselheiros)
cava um abismo sob os pés da comissão. Que ela tenha de vir a público
explicar-se, isso é apenas um indício da atualidade do princípio da
publicidade formulado por Kant no século 18: toda ação de governo
que necessite de segredo é contrária à moralidade pública.
Você pode achar que tudo isso é perfumaria e que, pelo menos no Brasil
de Lalau, está longe de ser prioridade. Data vênia, discordo.
Não são somente a criminalidade e o desamparo jurídico a fomentar
insegurança e anomia. Estes são apenas exuberâncias irracionais da
sociedade brasileira. Na base da sociedade tecnocientífica e de seus
sistemas abstratos se encontra, para usar uma noção do sociólogo Anthony
Giddens (mais conhecido como mentor do premiê britânico Tony Blair
e diretor da London School of Economics),
um gerador contínuo de insegurança
ontológica.
Socorro-me de sua autoridade de intelectual centrista para reafirmar
o espírito desta coluna:
"No que toca aos sistemas abstratos, desconfiança significa ser cético
a respeito, ou ter uma atitude ativamente negativa para com as reivindicações
de perícia que o sistema incorpora. (...) Se a confiança básica não
é desenvolvida ou sua ambivalência inerente não é dominada, o resultado
é ansiedade existencial persistente. Em seu sentido mais profundo,
a antítese de confiança é portanto um estado de espírito que poderia
ser melhor sumariado como angst ou pavor existencial."
Contra todas as aparências, argumento mais uma vez que a tecnociência
está, sim, no centro da sua, da minha, da nossa vida.
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Imagem da semana
Nasa
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ASAS
SOLARES - A Estação Espacial Internacional (ISS) ganhou
painéis solares novos (no alto). Sua envergadura alcançou 72
metros, tornando-se o maior artefato já lançado ao espaço. Veja
mais imagens
para download na página da Nasa.
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Site da hora
O Worldwatch Institute, dos
Estados Unidos, acaba de lançar um relatório
sobre a questão espinhosa das águas subterrâneas.
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