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  11 de dezembro
  Ciência em dia
 

Uma questão de confiança

Quando aceitei fazer esta coluna para o Folha Online, há oito meses, fui movido pela convicção de que todo e qualquer escaninho do espaço público deve ser utilizado para explicar e debater ciência.

Afinal, a sociedade tecnocientífica dos dias atuais se funda sobre um paradoxo, a presença crescente de produtos da pesquisa e uma decrescente capacidade, dos indivíduos e do público, para entender o que está se passando. Tudo vira espetáculo, da estação espacial à última terapia genética, mas não existe uma crítica de ciência, como há para as encenações tradicionais (teatro, música, cinema, literatura).

Está perdido quem acha que não precisa nem vai precisar disso.

Um exemplo ajudará a ilustrar do que se trata. Esta semana participei de um seminário sobre biotecnologia promovido pela Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação). A favor dos alimentos transgênicos, claro (o seminário). Alguém que provavelmente não leu meu livrinho sobre o assunto (leia apreciação do filósofo Hugh Lacey no "Jornal de Resenhas") para a coleção Folha Explica (Publifolha) me convidou e, mais uma vez movido pela convicção mencionada, lá fui.

O melhor do encontro foi uma questão de Antonio Monteiro, responsável pela área de direito ambiental do afamado escritório Pinheiro Neto Advogados. Ele perguntou se não haveria um pouco de exagero juvenil na idéia de que a imprensa deve municiar o público para que ele possa acompanhar e controlar o trabalho de órgãos como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).


Por seu raciocínio, ainda que retoricamente formulado como pergunta, seria o caso de deixar esses assuntos altamente técnicos com os especialistas, de confiar nos encarregados, pelo poder público e na forma da lei, de disciplinar o assunto.

Ora, é essa, justamente, a questão central das sociedades tecnocientíficas. No instante em que se toma consciência de que tais decisões são também -necessariamente- políticas, e não só baseadas em informações científicas inequívocas, essa confiança deixa de ser um dado, um pressuposto da vida social. Ela tem de ser constantemente testada e reafirmada, e é bom que assim seja.

No caso da CTNBio, a mera possibilidade de que suas decisões sejam interpretadas como mais favoráveis aos interesses da indústria da biotecnologia do que aos do público (e, a esse respeito, nada ajuda contar com um empregado da Monsanto entre os conselheiros) cava um abismo sob os pés da comissão. Que ela tenha de vir a público explicar-se, isso é apenas um indício da atualidade do princípio da publicidade formulado por Kant no século 18: toda ação de governo que necessite de segredo é contrária à moralidade pública.

Você pode achar que tudo isso é perfumaria e que, pelo menos no Brasil de Lalau, está longe de ser prioridade. Data vênia, discordo.

Não são somente a criminalidade e o desamparo jurídico a fomentar insegurança e anomia. Estes são apenas exuberâncias irracionais da sociedade brasileira. Na base da sociedade tecnocientífica e de seus sistemas abstratos se encontra, para usar uma noção do sociólogo Anthony Giddens (mais conhecido como mentor do premiê britânico Tony Blair e diretor da London School of Economics), um gerador contínuo de
insegurança ontológica.

Socorro-me de sua autoridade de intelectual centrista para reafirmar o espírito desta coluna:

"No que toca aos sistemas abstratos, desconfiança significa ser cético a respeito, ou ter uma atitude ativamente negativa para com as reivindicações de perícia que o sistema incorpora. (...) Se a confiança básica não é desenvolvida ou sua ambivalência inerente não é dominada, o resultado é ansiedade existencial persistente. Em seu sentido mais profundo, a antítese de confiança é portanto um estado de espírito que poderia ser melhor sumariado como angst ou pavor existencial."

Contra todas as aparências, argumento mais uma vez que a tecnociência está, sim, no centro da sua, da minha, da nossa vida.


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ASAS SOLARES - A Estação Espacial Internacional (ISS) ganhou painéis solares novos (no alto). Sua envergadura alcançou 72 metros, tornando-se o maior artefato já lançado ao espaço. Veja mais imagens para download na página da Nasa.





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O Worldwatch Institute, dos Estados Unidos, acaba de lançar um relatório sobre a questão espinhosa das águas subterrâneas.

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