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Até
parece combinado. Pouco tempo depois de Eduardo Suplicy apresentar-se
como candidato à Presidência, Lula se engaja numa visita
a Cuba que certamente não acrescenta nada a seu currículo
nem à imagem mais flexível que o PT vem adquirindo nos
últimos tempos.
Com
todo o respeito a Lula, que sempre lutou pela democracia no país,
sua viagem a Cuba termina por fossilizá-lo de vez. Lula se
transforma num símbolo "intocável", numa
estampa como a de Che Guevara, mas simplesmente deixa de fazer parte
do mundo político.
Assim
como os líderes chineses, que continuam se dizendo comunistas
enquanto caminham decididamente rumo à sociedade de mercado,
o PT continua prestando reverências a Lula, assim como Lula
presta reverências a Fidel, menos pelo que isto implique em
reais opções para a sociedade brasileira e mais por
uma questão de identidade simbólica e ideológica.
O que
significa a ditadura de Fidel Castro no mundo contemporâneo?
Mais uma imagem de teimosia, um posto de resistência à
globalização do que um modelo de sociedade minimamente
aceitável para qualquer país. Tudo bem que se lute
contra o neoliberalismo; mas recorrer a Fidel Castro para representar
essa luta é uma atitude que deriva do fetichismo, da superstição,
do culto vudu.
Como
sempre, são pouquíssimo convincentes as réplicas
de Lula à constatação de Cuba vive num regime
ditatorial. Não é de agora que se afirma que o PT,
a esquerda, os socialistas não vêem em Cuba um modelo
a ser imitado, pois "cada país encontra suas próprias
soluções, seu próprio caminho". A frase
é tão verdadeira quanto inócua. Pois de nada
adianta dizer que teremos um "caminho próprio"
para a correção das injustiças sociais se não
nos posicionamos com clareza a respeito de que tipo de caminho é
esse.
Imagine-se
se, em 1938, Plínio Salgado visitasse Hitler, trocasse presentes
com ele, posasse para fotos e acenasse para o público num
ato oficial. Poderia muito bem voltar dizendo que não queria
para o Brasil o modelo nazista, que o Integralismo quer soluções
próprias para o reerguimento nacional, etc. Mas o ato de
visitar Hitler seria significativo em si, muito mais do que as ressalvas
e nuances que o acompanhassem.
Cuba
é uma ditadura, e ponto final. Ah, mas o sistema educacional,
o sistema de saúde... claro, podem ser melhores que o que
temos no Brasil. Mas imagine alguém dizendo, nos anos 30,
que, claro, Hitler é um ditador etc., mas o reerguimento
econômico... o sistema educacional... o sistema de saúde...
tudo aquilo devia ser uma beleza também.
Com
acertada ironia, Lula respondeu, aos que o criticam por andar de
braços dados com Fidel, que Fernando Henrique apoiou Fujimori.
OK. Mas o raciocínio é esquisito. Em primeiro lugar,
traz consigo a admissão de que Fidel é ditador mesmo.
Em segundo lugar, sugere que o importante é andar de braços
dados com o ditador certo.
De
qualquer modo - ainda que a sustentação dada por FHC
a Fujimori tenha sido um dos piores momentos deste governo que celebra
a todo minuto, como se fosse triunfo, a destruição
de qualquer resquício de honradez intelectual - pode-se pensar
que a "razão de Estado" pesou na atitude de Fernando
Henrique. Haveria alguma vantagem do ponto de vista da predominância
brasileira no continente em apoiar Fujimori. Não digo que
houvesse. Mas pode-se ao menos pensar neste argumento.
Qual
a "razão de Estado" na viagem de Lula? Não
é presidente do Brasil. Foi porque quis, foi porque isso
significa alguma coisa. Talvez signifique apenas o seguinte: não
sou presidente da República, nem vou ser. É como se
Lula abrisse mesmo o caminho para a discussão interna a respeito
de outras candidaturas petistas em 2002. Nisso, prestemo-lhe a homenagem,
ele está sendo bem democrático.
Leia colunas anteriores
24/11/2000 - Gente fina é outra
coisa
17/11/2000 - Fase
quatro
10/11/2000 - O
que é censura?
03/11/2000 - Quem morreu?
27/10/2000 - Fascismo
por Procuração
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