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Cheguei
ao hotel em Florença que frequento há muito. Constrangido,
o dono me avisou que houvera problema com a linha telefônica,
se eu precisasse acessar a internet ele me arranjaria outro hotel.
Preferi ficar ali mesmo, junto ao Arno, vendo de minha janela a
monumental torre de Bruneleschi.
No mesmo instante, chegou uma moça para fazer o check-in.
Avisada de que não teria linha para a internet, perguntou
como e onde podia quebrar o galho, navegar era preciso.
O dono indicou, vinte metros adiante, uma loja que dispunha de vários
computadores, todos em linha. 15 mil liras a hora, preço
razoável. A moça gostou. Mandou subir sua mochila
para o quarto e foi direto buscar as ondas digitais onde lançaria
sua nave virtual.
Bem, subi ao meu quarto, tomei um banho, desci para dar uma volta.
Lá estava a moça agarrada ao teclado, a luz trêmula
e azulada do monitor batendo em seu rosto.
Fui ver o "putto in giardino" de Verrochio, no pátio
principal do Palazzo Vecchio, almocei costeleta à moda fiorentina,
tomei lentamente um chianti encorpado, com aquela cor viril dos
vinhos da Toscana. Voltei ao hotel. A moça continuava navegando.
Dormi um pedaço, descansando da estrada que me trouxera de
Roma. Ao cair a noite, saí para jantar, a moça continuava
na mesma posição, diante do mesmo monitor. Voltei
quase meia-noite, a tal loja estava deserta, somente uma pessoa
navegava no mundo virtual: ela. Não almoçara, não
jantara, não tomara banho, não mudara de roupa, não
vira o anjinho de Verrochio nem a fachada de mármore de Santa
Maria dei Fiori.
No dia seguinte, encontrei-a fechando a conta do hotel, indo para
Bolonha. Perguntei-lhe se gostara de Florença. Sim, disse
ela. "É a primeira vez que venho aqui, adorei tudo.
Gostei dos quadros do Botticelli no Uffizi".
Fiquei pasmo. A moça precisaria de duas horas só para
enfrentar a fila do museu e não saíra da loja da internet.
Em todo o caso, vira tudo o que desejara ver na telinha tremida
do monitor. Só não precisaria ter vindo a Florença
para admirar o "Nascimento de Vênus".
Leia colunas anteriores
31/10/2000 - Ganhos e perdas
24/10/2000
- Reflexão
e Protesto
17/10/2000 - A língua do "P"
10/10/2000 - Câncer virtual
03/10/2000 - Óleo
de fígado de bacalhau
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