Descrição de chapéu violência

'Por que pessoas negras têm medo da polícia?'; saiba lidar com perguntas difíceis de crianças

'Infelizmente, a polícia suspeita muito mais das pessoas negras', diz educadora autora de livro sobre racismo e violência

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São Paulo

Por que as pessoas negras têm medo da polícia? Toda criança que pede esmola no farol é negra? O que dizer quando o pai de uma amiga vai preso? Todas essas questões fazem parte do novo livro "Diálogos Feministas e Antirracistas (e Nada Fáceis) Com as Crianças", de Bianca Santana.

O livro não é de ficção. Todas as coisas que a autora colocou ali aconteceram de verdade (no caso, foram perguntas feitas pelos filhos dela). É uma obra para ser lida em conjunto em casa ou na escola, com adultos que possam ajudar nos desdobramentos que virão a partir do que está proposto naquelas páginas.

Amigos e parentes do menino Thiago Menezes Flausino, morto em operação da polícia na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro - REUTERS

Mestra em educação pela USP (Universidade de São Paulo) e doutora em ciência da informação, Bianca falou com a Folhinha sobre o livro e sobre episódios de violência, incluindo a morte do menino Thiago Menezes Flausino, de 13 anos. No Brasil, uma pessoa negra é morta pela polícia a cada quatro horas em ao menos seis estados brasileiro, de acordo com um levantamento feito pela Rede de Observatórios da Segurança (ROS).

Você acha que pessoas negras têm mais medo da polícia do que as pessoas brancas?

Infelizmente, acho que sim. Se a gente olhar hoje o que está acontecendo em São Paulo, na Bahia, no Rio de Janeiro, a gente vai ver uma série de pessoas negras sendo exterminadas, mortas pela polícia, que devia proteger todo mundo.

E aí tem gente que vai dizer que essas pessoas assassinadas cometeram crimes. E eu vou falar que pode ser que seja verdade, mas o Brasil não tem pena de morte. E, mesmo que tivesse, as pessoas deveriam ser levadas pela polícia, investigadas e passar por um julgamento para ver se elas seriam condenadas à morte ou não.

Infelizmente, a polícia para muito mais pessoas negras do que brancas, suspeita muito mais das pessoas negras. Então, as pessoas negras têm medo da polícia, mesmo que elas não façam nada de errado. Isso é um problema muito grande no Brasil e que tem a ver com racismo.

E entre as crianças, você acha que esse medo é mais comum entre as crianças negras do que entre as crianças brancas?

Nenhuma criança deveria ter medo da polícia. Se a polícia representa o governo e o Estado, e serve para proteger toda a população, as crianças não deveriam ter medo. Elas deviam se sentir protegidas.

Mas as crianças negras sabem desde cedo que muitas vezes as polícias chegam nas favelas atirando. A polícia não respeita nem criança indo para a escola de uniforme. Tem um menino, Marcos Vinícius, que foi assassinado no Rio de Janeiro há alguns anos quando ele estava com o uniforme indo para a escola.

Quando Marcos Vinícius levou esse tiro, ele olhou para a mãe dele e perguntou se o policial não tinha visto que ele estava com o uniforme da escola. Essa é uma história muito triste, que não deveria acontecer com nenhuma criança nunca.

Você tinha algum medo assim quando era criança?

O meu pai trabalhava com o jogo do bicho, que é uma coisa ilegal. E eu sabia que aquilo estava errado. Então, eu tinha muito, muito medo de o meu pai ser preso quando ele estivesse comigo. Eu era criança. É lógico que eu não tinha nenhuma responsabilidade sobre o que o meu pai fazia. Mas eu sabia que era errado e eu tinha muito medo que a polícia chegasse quando a gente estivesse junto, levasse ele e eu ficasse sozinha na rua.

Recentemente houve ações da polícia em que pessoas morreram, em Guarujá e na Bahia. Como você sugere que as famílias conversem sobre esse tipo de noticiário com as crianças?

É um tema tão difícil para os adultos conversarem, tão complexo, imagina conversar com as crianças. Talvez seja uma abordagem interessante dizer que a gente tem muitas coisas para melhorar no Brasil. A gente precisa construir um país onde todas as crianças e todas as pessoas possam viver em segurança. E quando alguém fizer alguma coisa errada, cometer um crime, essa pessoa tem que ser julgada, tem que receber uma pena, tem que ter a possibilidade de se recuperar e se reinserir na sociedade.

Tem adultos que às vezes não sabem o que responder quando crianças fazem perguntas inesperadas. Seu livro é cheio de questões assim. Como você ensinaria os adultos a lidarem melhor com esse tipo de perguntas?

Às vezes, quando a gente recebe da criança uma pergunta muito desafiadora, a gente fica constrangido, não sabe o que responder, muda de assunto ou enrola. Isso é muito ruim, porque a gente vai criando silêncios sobre temas difíceis, quando a gente precisa olhar para eles em profundidade.

Um primeiro passo importante é os adultos olharem para temas difíceis, independentemente das perguntas das crianças. É a gente não fugir da realidade, ler o máximo que puder, acompanhar os movimentos sociais, para a gente conseguir interpretar o que está acontecendo.

A minha sugestão é sempre ser honesto, não mentir para as crianças e nem fugir das perguntas. É lógico que a gente não precisa dar respostas muito longas, muito complexas, que às vezes mais atrapalham do que ajudam.

Mesmo a morte, por exemplo, um tema tão difícil que deixa as crianças assustadas. A gente pode lidar com ele e oferecer um abraço de acolhimento para a criança, para ela saber que não precisa viver essa angústia sozinha. Ela vai ter o amparo e o acolhimento das pessoas adultas para passar por isso.

Diálogos Feministas e Antirracistas (e Nada Fáceis) Com as Crianças.

  • Preço R$ 49,90 (32 páginas)
  • Autoria Bianca Santana e Tainan Rocha (ilustrações)
  • Editora Editora Camaleão

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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