Samba cura até resfriado, diz cantor Diogo Nogueira, que lança novo disco 'Sagrado'

Álbum tem capa feita com inteligência artificial para recriar elementos da infância do sambista, e música com voz de João Nogueira

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São Paulo

Nos anos 1980 e 1990, as festas na casa da família de Diogo Nogueira, 42 anos, duravam dois dias. Seu pai, João Nogueira, era um sambista famoso e cheio de amigos. Os convidados iam chegando, pegavam seus instrumentos e faziam música até bem depois que Diogo, ainda criança, ia dormir.

"Quando eu acordava, estava todo mundo deitado na sala de casa, dormindo. Eles ainda iam acordar, tomar café, e a festa ia continuar. Eu tinha que passar por cima das pessoas pra entrar no carro e ir pra escola. E, quando eu voltava, estava todo mundo fazendo samba", lembra Diogo, rindo, em entrevista por Zoom à Folhinha.

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Capa do disco 'Sagrado', de Diogo Nogueira (imagem feita com inteligência artificial) - Emílio Rangel

No sábado (2) se comemora o Dia Nacional do Samba. Para o pesquisador e escritor Luiz Antonio Simas, o samba é mais que um tipo de música e de dança. "O samba é também um sistema de organização do mundo. Em torno do samba as pessoas cantam, dançam, comem, bebem, amam, brincam, festejam, rezam, louvam os ancestrais, constroem laços de identidade e redes de proteção social", escreve Luiz.

Esse texto faz parte do encarte virtual (um tipo de livrinho) que acompanha o novo disco de Diogo, "Sagrado", que ele lança nas plataformas de áudio nesta quinta (30). Filho e neto de sambistas, Diogo quase virou jogador de futebol —uma lesão no joelho o levou de volta para o ritmo que ele tanto escutava em casa na infância. Hoje, ele tem mais de dez discos gravados.

O nome do novo álbum é "uma aula de história", como Diogo descreve. "Para mim, o samba é sagrado porque ele vem pelos navios negreiros da África com os escravos e suas religiões de matriz africana. Daí chega ao Brasil, e esses negros constroem o país", afirma.

"Dentro da religião deles existiam os batuques, que eram feitos nas senzalas, onde eles ficavam alojados. Era o rito espiritual deles. E desse rito nasceu o samba, misturado com os elementos dos europeus, como o viloão, que vem da Espanha, e o cavaquinho, que vem de Portugal."

Diogo aprendeu a tocar os instrumentos de percussão tamborim, pandeiro e tantan aos 6 anos de idade, com os amigos de seu pai João. Ele também queria saber tocar o violão de sete cordas, que faz a linha melódica de muitos sambas, mas ainda não aprendeu. "É difícil!", brinca.

É nestes mesmos tambores que Diogo recomenda que se preste atenção para saber se uma música que está tocando é samba ou não —se der para ouvi-los, bingo.

"O samba tem uma energia salvadora. O samba cura, até porque ele veio de uma religião, dos tambores do candomblé. Essa energia passeia pelas rodas de samba e acaba curando as pessoas. Duvido que se você for numa roda de samba resfriado você não vá sair curado", diz.

Essa conexão do samba com as religiões de matriz africana, na opinião de Diogo, é um dos motivos de haver preconceito com o ritmo. "Se a pessoa tem preconceito com o samba ela tem preconceito com os negros, com religião e com outras questões. O samba está muito ligado a esse povo sofredor e trabalhador. Mas a pessoa que tem preconceito com isso é ruim da cabeça ou doente do pé", afirma.

Para a capa de "Sagrado", Diogo queria uma imagem ligada à sua infância. Como não conseguiu encontrar uma foto que reunisse tudo que ele mais amava quando era pequeno, pediu ajuda à inteligência artificial para recriar o quintal da sua antiga casa, e pôs nele todos os elementos que considera importantes.

"Tem o violão, tem a roda de samba, que lembra as reuniões do meu pai, tem o chão de terra onde eu jogava bolinha de gude. Tem as camisas no varal, com uma do time do Flamengo, tem um cachorro, porque meu pai tinha oito pastores alemães em casa", enumera.

Diogo sente falta de quando era pequeno e também sente falta do pai, que morreu em 2000. Além de festeiro, João Nogueira também era divertido, de acordo com Diogo. "Eu sinto muita saudade do meu pai. Eu gostava muito de ir ao Maracanã com ele, era um momento só nosso. Ele era um piadista de alto padrão, um cara muito verdadeiro, sincero. Eu admirava muito isso nele."

No novo álbum, Diogo incluiu uma gravação da voz de seu pai que ele nem sabia que existia até pouco tempo atrás. Ela chegou até ele enquanto Diogo decidia quais músicas gravar. "Foi superemocionante ouvir a voz do meu pai, foi como se ele estivesse cantando do meu lado. Aí gravei e, quando ouvi a primeira vez, voltei a chorar", conta.

Para quem quer se tornar sambista quando crescer, Diogo diz que o caminho é estudar muito e conhecer o passado. "Se a gente está aqui hoje, é porque o passado construiu essa rodovia pra gente chegar. Com certeza é possível ter essa profissão se você ama o samba e se dedica", afirma.

O chapéu-panamá típico dos sambistas, uma herança do vestuário das décadas de 1930 e 1940, não é essencial, diz Diogo, mas uma roupa elegante é sempre bem-vinda. "O samba tem toda uma ornamentação, paletó de linho puro, gravata. Eu adoro andar elegante!".

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