Quadrinistas gêmeos exploram simetria na arte de desenhar
Gabriel desenha enquanto Fábio colore. Ou Fábio faz a arte final dos rascunhos de Gabriel. Ou vice-versa. No caso dos quadrinhistas e irmãos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, 33, tanto faz quem começa o quê. Eles nasceram juntos e assim permanecem, criando juntos algumas das melhores histórias em quadrinhos produzidas atualmente. Os gêmeos, como são conhecidos, ganharam as páginas de revistas brasileiras e internacionais, espalhando a ideia de que escrever quadrinhos é bom, é possível e, como qualquer outras profissão, exige muito, muito trabalho.
Divulgação |
Ilustração dos quadrinistas gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon em seus próprios traços |
A carreira dos dois começou simultaneamente quando, em 1997, decidiram passar a investir em seu próprio trabalho e criaram o fanzine "10 Pãezinhos". Eram histórias que abordavam o cotidiano de paulistas da Vila Madalena, que falavam a um público próximo de ambos. O nome, dado por Bá, veio dessa ideia de transmitir um trabalho de todo dia: os dois cresceram com dez pãezinhos na mesa do café da manhã, nada havia de mais cotidiano para eles, nenhum nome que expressasse melhor a "necessidade básica" de toda segunda-feira que o fanzine deveria ser. Desde então os gêmeos carregam a bandeira do quadrinho independente no Brasil, estimulando a produção e o surgimento de novos quadrinhistas.
O contato dos dois com as HQs começou com a leitura, muito antes de 1997. Primeiro as histórias da Turma da Mônica, de Maurício de Souza. Depois, as revistas "MAD" e "Chiclete com Banana", de Angeli. Dali para os "Piratas do Tietê" foi um pulo. Os dois exploraram os quadrinhistas nacionais antes de se encantar com os super-heróis da "Superaventuras Marvel", e de toda essa mistura brotou a vontade de desenhar, de narrar histórias. Começaram desenhando em todos os estilos possíveis, imitando os desenhos de que gostavam. Foram alguns anos de trabalho e estudo até que ambos pudessem olhar para seus desenhos e ver alguma coisa realmente diferente de tudo o que haviam lido até então.
Se a espera e o trabalho valeram a pena? Certamente, uma vez que significaram a descoberta e o desenvolvimento de um traço próprio e inovador. Estavam então prontos para lançar um trabalho. Bancaram a produção e impressão de "10 Pãezinhos" para vender em lojas especializadas, para amigos, para quem quisesse. E conseguiram. Entre idas e vindas o fanzine teve mais de 40 números de histórias contadas para criar um público leitor de quadrinhos, para desenvolver esse gosto em qualquer um, gostasse de HQs anteriormente ou não.
Veio então a vez dos livros, esses sim lançados pela editora Via Lettera, em 2000: "O Girassol e a Lua" e "Meu coração não sei por que...", duas histórias mais surreais --como os próprios gêmeos definem-- que tratam de amizade e amor. E também fizeram sucesso, sendo traduzidas para o inglês e, no caso de "Meu coração...", também para o italiano. Esses dois trabalhos renderam a Bá e Moon o prêmio HQ Mix de melhor fanzine e de desenhista revelação em 1999, os primeiros de muitos. Aos poucos os trabalhos foram sendo levados para os EUA, à medida em que ambos participavam de feiras internacionais de quadrinhos.
Aquele traço marcante, meio exótico, fez sucesso e mostrou ao público internacional as histórias de dois brasileiros que conseguiram fazer uma carreira diferente. Ao invés de ir para o exterior e desenhar lá personagens de outros autores, os gêmeos insistiram em achar espaço para a sua produção autoral. Para conseguir isso, trabalhavam aqui com o que aparecia: design, ilustrações publicitárias e para revistas.
Durante algum tempo assinaram as ilustrações da revista "Recreio", da editora Abril. Mostraram assim que é possível viver de desenho no Brasil. Não de quadrinhos, mas de desenho. E que desenhar para publicidade não significa uma traição ao que acreditam ou ao seu trabalho autoral. Pode inclusive ser um trabalho prazeroso, na medida em que significa prática, experiência e a possibilidade de ganhar a vida fazendo o que se gosta.
A fórmula deu resultado. Em 2003, depois de alguns anos sem lançar nada do fanzine "10 Pãezinhos", fizeram uma edição comemorativa que apresentava um traço ainda mais maduro e mais marcante: "Feliz aniversário, meu amigo".
Reprodução |
Detalhe da tira "Quase Nada", publicada por Gabriel Bá e Fábio Moon na Folha |
Ganharam o Prêmio Jabuti por sua adaptação para os quadrinhos de "O Alienista" (Agir, 2007), de Machado de Assis. Entre lançamentos no exterior e novas parcerias, fizeram o HQ 5, juntamente com o brasileiro Rafael Grampá, a americana Becky Cloonan e o grego Vasilis Lolos. O trabalho, feito de forma despretensiosa para contar histórias de cinco jovens com vidas diferentes, trouxe a eles um reconhecimento inesperado: ganharam o Prêmio Eisner, uma espécie de Oscar dos quadrinhos, de melhor antologia.
Além disso, uma parceria de Bá com o americano Gerard Way, "The Umbrella Academy", lhe rendeu o prêmio na categoria de melhor série limitada. Moon recebeu o Eisner também por melhor quadrinho digital, fruto de seu trabalho com Josh Wheedon, "Sugarshocks".Essa consagração no exterior atraiu para o trabalho dos gêmeos muitos novos olhares.
Aumentou o interesse por seus desenhos, surgiram novas propostas de trabalho, e cada vez mais gente se interessa em fazer oficinas de desenhos com eles. Mas em todos os trabalhos que fazem juntos fica a marca de ambos, a ponto de eles mesmos às vezes terem dificuldade de definir quem fez o que. Não que isso tenha muita importância: o prazer deles está em trabalhar juntos, em contar histórias de um jeito muito particular.
Com todo o reconhecimento que têm hoje, Bá e Moon podem se permitir escolher muito bem o trabalho que desejam fazer. Para que o público brasileiro não perca contato com o trabalho deles, para que possam expor o que estão fazendo e discutir a sua produção, os dois criaram o blog 10 Pãezinhos, uma homenagem ao fanzine. E permanecem abertos à novidades, sempre. Em 2008 lançaram na Daslu (loja reconhecida pela venda de produtos de alto luxo) uma coleção de roupas com desenhos de ambos, a marca 284.
Para o lançamento e durante a permanência da coleção, ficou na loja uma exposição de 60 desenhos. Isso só mostra a abertura de novas possibilidades, que, Moon acredita, só surgem quando não há preconceitos. Tem de haver, sim, muita insistência e muito trabalho. Em suas oficinas, s discute muito e se desenha pouco.
Eles fazem questão de não apresentar fórmulas, e destacam que o mercado nacional só vai crescer quando houver maior produção. Estão certos, pois as editoras brasileiras vêm investindo um pouco mais no quadrinho nacional. Em julho participam da Flip 2009 (Festa Literária Internacional de Paraty), em uma mesa dedicada só aos quadrinhos brasileiros. Mas, entre todos esses prêmios e trabalhos, Moon e Bá têm apenas uma preocupação maior: desenhar, desenhar e desenhar.
Fontes: Fábio Moon e Gabriel Bá; Overmundo; Pop Balões; O Grito
Livraria da Folha
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