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Bienal de São Paulo quer dar sua resposta à polarização atual

Curador Visconti defende a multiplicidade de relações e em constante evolução

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Marion Strecker

A próxima Bienal de São Paulo quer dar sua resposta à polarização da sociedade atual. Sem experiência em exposição desse porte, o curador Jacopo Crivelli Visconti recorreu a dois pensadores para defender que a mostra deve “se abrir à multiplicidade de relações possíveis e em constante evolução”. 

Um deles é o poeta e teórico da cultura Édouard Glissant, da Martinica, autor dos conceitos de antilhanidade e de crioulização (valorização da cultura própria das Antilhas). O outro é o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, autor do conceito de perspectivismo ameríndio e dos livros “A Inconstância da Alma Selvagem” (2002) e “Metafísicas Canibais” (2015).

As ideias de Glissant entraram no mundo artístico com a Documenta de 2002, do nigeriano Okwui Enwezor, primeiro não europeu a comandar a mostra alemã. Glissant, autor de “Poética da Relação” (1990) e “Filosofia da Relação” (2009), usa conceitos do pós-estruturalismo francês como rizoma, diferença e alteridade.

“Relação” é justamente a palavra-chave definida pelo curador da Bienal de São Paulo como instrumento de trabalho para os curadores, mas não para os artistas.

Os títulos surgiram na Bienal de São Paulo nos anos 1980, quando tivemos “A Grande Tela” (1985) e “Utopia Versus Realidade” (1987). Ficaram mais frequentes a partir dos anos 1990, com títulos-constatação como “Ruptura com o Suporte” (1994) ou “A Desmaterialização da Arte no Final do Milênio” (1996). 

Outros nomes foram bem elásticos, como “Território Livre” (2004) e “Iminência das Poéticas” (2012). Alguns citaram conceito, expressão ou verso de outros autores, como no caso da “Bienal da Antropofagia” (1998), “Como Viver Junto” (2006) e “Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar” (2010).

A Documenta de Kassel, na Alemanha, exposição que teve início em 1955 e é tudo o que as bienais gostariam de ser, em tempo de preparação (quatro a cinco anos), independência do mercado e prestígio, começou com o subtítulo: “Arte do Século 20”. E a próxima Documenta, em 2022, é de responsabilidade do coletivo indonésio ruangrupa (em minúscula mesmo), e seu título provisório é “Lumbung” (celeiro de arroz), referência ao sistema de acumulação coletiva de grãos. 

Se a Documenta foi fundada para curar a Europa das feridas do pós-Guerra, disseram, agora seria o momento de curar outras áreas que sofrem com outras feridas, enraizadas no colonialismo, no capitalismo e patriarcado.

A Bienal de Veneza este ano adotou o título “Possa Você Viver em Tempos Interessantes”. A expressão em língua inglesa há tempos é associada erroneamente a uma antiga maldição chinesa que evoca períodos de incerteza, crise e desordem, os tais “tempos interessantes”, como a atualidade.

Quando o curador de São Paulo defende o “potencial da arte como resiliência, reinvenção, repetição, tradução e opacidade”, essa “opacidade” (ou falta de transparência) deve ser entendida conforme Glissant defendeu desde 1969 —um pré-requisito para a constituição do Outro. “Uma pessoa tem o direito de ser opaca. Um racista é alguém que recusa o que não entende. Posso aceitar o que não entendo”, disse Glissant.

Desde sempre a Bienal de São Paulo convive com as turbulências sociais, políticas e econômicas do país. Em 1951, quando a mostra começou, o populista Getúlio Vargas voltava a ser eleito depois de ter sido deposto num golpe em 1945, liderado pelos generais Góes Monteiro e Gaspar Dutra. Neste ano, um governo autoritário democraticamente eleito (Bolsonaro) sucede o governo mais impopular da história (Temer) e uma presidente deposta (Dilma).

A gestão da última Bienal (“Afinidades Afetivas”) já insistia em usar o termo “poéticas” para falar da exposição, aparentando uma reação conservadora a um ambiente artístico hiperpolitizado. O fato é que a arte é ingovernável.

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