DJs e produtores do funk atraem multidões e ficam mais famosos do que MCs

Na era do funk acelerado, nomes do FP do Trem Bala e Iasmin Turbininha assinam músicas e ocupam centro do palco

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FP do Trem Bala, produtor e DJ de  funk, em Niterói,  no Rio de Janeiro
FP do Trem Bala, produtor e DJ de funk, em Niterói, no Rio de Janeiro - Ricardo Borges/Folhapress
São Paulo

Post Malone fazia um dos shows mais lotados do último Lollapalooza quando chamou Kevin O Chris ao palco. O anúncio do funkeiro não causou tanto alvoroço, mas quando o MC puxou o hit “Vamos pra Gaiola”, contudo, o festival veio abaixo. Era difícil encontrar alguém que não soubesse a letra da música que popularizou a expressão “bigodinho fininho, cabelinho na régua”.

Kevin O Chris tem a voz mais conhecida, mas não é a maior celebridade do funk carioca atualmente. “Ele estava com a música pronta, só não tinha como lançar”, conta FP do Trem Bala, DJ, produtor e personalidade da internet. “Me chamou no WhatsApp, mostrou a música e perguntou se eu queria lançar junto. Ouvi e falei: ‘Hit’.”

“Vamos pra Gaiola”, hoje com 56 milhões de visualizações só no YouTube, saiu no canal de FP, que se chama Felipe Pereira. Além dela, outros sucessos de Kevin vieram do canal, incluindo “Eu Vou pro Baile da Gaiola” e “Dentro do Carro”.

A participação de FP do Trem Bala na criação dessas músicas foi pequena, mas é difícil dizer se elas teriam a proporção que ganharam sem seu trabalho. Ele é parte de um movimento maior no qual produtores e DJs assinam músicas, atraem multidões e se tornam mais famosos do que os MCs, que no passado ocupavam o centro do palco.

 

​Kevin tem um quinto dos 2,5 milhões de inscritos no YouTube de FP e metade do um milhão de seguidores que o produtor tem no Instagram. Fora a presença nos bailes. “Divulgo muito a música postando vídeos, tocando, quando chega no lançamento ela já está estourada”, explica o DJ.

Baiano de Ilhéus, FP tem 22 anos e já está há dez no Rio de Janeiro. Ele se envolveu com o funk quando começou a frequentar o baile da Nova Holanda, favela no Complexo da Maré e berço do 150BPM, sigla para batidas por minuto, o estilo de funk mais rápido, chamado também de ritmo louco ou “putaria acelerada”. Tradicionalmente, o batidão carioca era feito em 130BPM.

“Era cheião, eu ia para zoar, ficava até de manhã”, conta FP, que morava em Rio das Pedras, comunidade controlada por milícias, rivais da facção que comanda a Nova Holanda. “Na primeira vez, fiquei com medo. Tinha vários caras armados. Mas eles tratam a rapaziada que vai curtir super bem. Quando ia para 
a favela, ficava mais à vontade do que fora. Lá, é um respeitando o outro.”

FP começou a produzir no computador desktop da tia e em um notebook emprestado, pedindo vozes a cappella para os MCs e colocando-as em batidas de 150BPM, sem cobrar nada.

Na mesma época, há três anos, Iasmin Turbininha dava os primeiros passos no YouTube. A DJ, produtora e frequentadora da Nova Holanda recorda que o ritmo era visto com preconceito: “A galera achava que o baile tinha virado rave. Era um ritmo novo, mas era o baile da garotada, e eles têm muita energia.”

A exemplo de FP, o sonho de Iasmin era ter um canal reconhecido no YouTube. “Adoravam minhas produções e pediam mais. Só fui fazendo, nunca imaginei que ia dar essa repercussão. Hoje, chego nos lugares e as pessoas gritam, pedem foto.”

Até os anos 2010, era quase impossível um DJ ser mais conhecido que um MC. O Dennis DJ passou anos produzindo um caminhão de hits (“Dança da Motinha”, “Cerol na Mão”, “Um Tapinha Não Dói”) para a Furacão 2000 até perceber que poderia ser um “David Guetta do funk”.

“O DJ Marlboro sempre foi o cara do funk, mas ele ainda tinha aquela coisa de levar dançarina”, afirma Dennis. “Era um DJ atrás das picapes, não um DJ-artista.”

Misturando funk com EDM e até com sertanejo, organizando eventos privados e colocando seu nome ao lado dos MCs nas músicas, Dennis foi um dos primeiros DJs cariocas a ganhar esse status de celebridade.

Ao contrário de FP e Iasmin, contudo, ele cresceu visando um público mais elitizado. Suas versões mais comportadas abriram portas nos meios tradicionais. Foi Dennis quem fez o “Medley da Gaiola”, junção das canções de Kevin O Chris em um remix sem palavrões, o que acabou levando o 150BPM ao rádio.

Antes do ritmo louco, o funk paulista dominava a cena, com produção mais limpa e os clipes super-produzidos de Kondzilla, que destacava as letras de ostentação e as figuras de MCs como Kevinho e Bin Laden. No Rio, o sucesso do funk acelerado é muito mais responsabilidade dos DJs e produtores, incluindo também Polyvox —inventor do 150BPM— e Rennan da Penha, agora preso sob acusação de associação para o tráfico.

A chegada do 150BPM foi uma revolução, quando o funk do Rio voltou a ter força nacional. Mas, para sair dos bailes e chegar ao resto do país, ele precisou de uma ponte, a internet.

Em vez de clipes caros, FP do Trem Bala virou “o brabo do YouTube”, com vídeos amadores das plateias ensandecidas nos bailes ou dele mesmo dançando. Os podcasts (espécie de set de DJ gravado) com as produções de Iasmin viraram referência.

O 150BPM fez o funk voltar a soar acessível, e a presença na internet desses produtores e DJs transformados em “influencers” foi a estética perfeita —sonora e visual— para o ritmo chegar ao resto do Brasil. “Não queria que a rapaziada me visse só como DJ, mas também como um dançarino, alguém reconhecido”, diz FP. “É ‘a minha carisma’. Sou tipo um ‘showman’.”

Com os embates crescentes que o funk carioca passou a ter com a polícia, culminando na prisão de Rennan e no fim do Baile da Gaiola, a internet também se tornou um espaço vital para o ritmo da 
capital fluminense.

“Estão rolando poucos bailes depois desse governo que entrou agora”, diz FP, para quem a prisão de Rennan é injusta. “Acho que a meta dele [Jair Bolsonaro] é acabar com o baile de favela. Mas não vai ser assim porque temos a internet.”

Conheça outros produtores do funk 150BPM

Iasmin Turbininha
Rainha dos podcasts, começou experimentando produções em 150 e até 160BPM, utilizando inclusive levadas de arrocha. Virou queridinha do público feminino, por ser uma das primeiras mulheres a ganhar esse destaque como DJ e produtora

Rennan da Penha
É um dos idealizadores e principal DJ do Baile da Gaiola, que já atraiu numa única noite 25 mil pessoas. Um dos nomes mais famosos do 150BPM, foi condenado sob acusação de associação para o tráfico

Dennis DJ 
Espécie de David Guetta do funk, levou o 150BPM às rádios com a versões sem palavrões, das músicas do Baile da Gaiola. Ex-Furacão 2000, tem uma história de mais de 20 anos produzindo hits e abriu portas ao se tornar um “DJ-artista”, como se define. Dennis foi pioneiro ao misturar funk com EDM e sertanejo, levando o ritmo a um público mais elitizado

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