Na década de 1990, Dea Loher deixou seu país natal e veio para o Brasil —“não procurei algo especial. Queria simplesmente estar o mais longe possível da Alemanha”. Mas no período em que viveu por aqui encontrou material para escrever em 1992 sua primeira peça de teatro, “O Canto de Olga”, sobre a revolucionária alemã Olga Benário, que viveu no Brasil entre 1934 e 1936.
Em 2004 ela voltou ao país, se aproximou do grupo teatral Os Satyros e passou meses na região central de São Paulo recolhendo material para escrever a “A Vida na Praça Roosevelt”.
A peça apresenta personagens inspirados em pessoas que viviam ou trabalhavam em torno da praça, “local onde tudo parece estar fora do lugar”, como diz um dos personagens.
Foi encenada na Alemanha e depois, em 2005, pelos Satyros no Brasil, tornando-se um momento decisivo na história do grupo (que encenaria ainda “Inocência” da autora, no ano seguinte). Hoje Dea Loher tem uma carreira premiada como dramaturga contemporânea. É autora de importantes trabalhos com o Thalia Theater, em Hamburgo, e com o Deutsches Theater em Berlim.
Esta semana ela retorna ao Brasil para um debate no Instituto Goethe de São Paulo sobre sua peça “Ladrões”, que estreou em 2010 no Deutsches Theater com encenação de Andreas Kriegenburg.
O debate faz parte do Dramatik!, um ciclo de conversas organizado no instituto a partir de textos de autores contemporâneos alemães. As peças são traduzidas e disponibilizadas gratuitamente antes do evento no site da instituição.
Como em boa parte de suas obras, “Ladrões” olha para pessoas comuns, seres melancólicos e desamparados em meio aos imperativos desumanos da vida moderna.
Busca ali, na vida ordinária, sem sentido, vislumbrar movimentos e sofrimentos profundos da humanidade, como nas obras thomasson (fotografias de objetos deslocados de sua função original criadas pelo artista japonês Akasegawa Genpei), referidas pelo texto.
Nas últimas semanas, Dea Loher esteve no Chile e testemunhou o estado de emergência e as maiores manifestações de rua da história do país. Ela vê os acontecimentos como reação à desordem e à desigualdade da sociedade hoje: “Metade dos chilenos não consegue mais custear um bilhete de metrô porque o preço da passagem devora um quarto do salário”.
“Por que deixamos que tais coisas absurdas aconteçam?”. Sua sensação atual é de que vivemos num mundo “totalmente fora do equilíbrio”. Por outro lado, as velozes mudanças pelas quais passa a humanidade também “criam medo e insegurança” e para isso os conservadores têm uma resposta clara: “Trump, Putin, Bolsonaro, Erdogan. É como se eles prometessem um retorno a infância perdida, quando o mundo ainda estava supostamente em ordem”.
Para ela, na maioria dos países, “grupos de esquerda tradicionais ou social-democratas não têm mais nenhuma ideia do que fazer”. Assim como o teatro contemporâneo, que “já há algum tempo se insurge contra uma exigência de representação e se perde em metadiscursos exageradamente apaixonados por minúcias e detalhes”, com se tivesse renunciado à vontade de comunicar e intervir. “Desistiu da pretensão por universalismo.”
Em contrapartida, Loher é taxativa em afirmar que “a arte sempre é concreta”, ou deveria ser. Assim como “protestos, manifestações; os corpos na rua, a mente na revolta”.
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