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Globo se arma para competir com Netflix e afins na busca pelo mercado internacional

Coproduções e apostas em novos gêneros marcam mudança de estratégia da emissora às vésperas da guerra do streaming

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São Paulo

Não há o menor sinal de que o boom de conteúdo audiovisual, no mundo, vá desacelerar. 

Pelo contrário, diz Guy Bisson, da consultoria britânica Ampere Analysis, “com estúdios como a Disney
tirando conteúdo para usar em seus próprios serviços de streaming, agora é um grande momento para se concentrar em produção local que funcione no mercado global”.

Ele respondia a uma pergunta sobre a Globo, que vem preparando séries voltadas à audiência mundial.

São os casos de “The Angel of Hamburg” (O Anjo de Hamburgo), sobre as famílias de judeus salvas pela
brasileira Aracy de Carvalho na cidade alemã, durante o nazismo, e “Unsoul” (Desalma), trama sobrenatural sobre o desaparecimento de uma jovem numa comunidade ucraniana no Sul do Brasil.

Monica Albuquerque, diretora de desenvolvimento e acompanhamento artístico da Globo, conta que as
duas exemplificam o que o grupo busca, ao escolher um conteúdo para desenvolver.

“Ou a gente vai falar sobre um brasileiro no exterior ou vai falar de algo que possa ser internacional no Brasil”, diz. “São exatamente esses dois focos que a gente usa. De alguma forma, o Brasil tem que estar envolvido.”

A próxima será “Rio Connection”, sobre Tommaso Buscetta, o mafioso italiano preso no Brasil.

Escolhida neste ano como uma das 50 mulheres de maior impacto na indústria de entretenimento no mundo pela revista Variety, Albuquerque relata que as mudanças começaram perto de três anos atrás.

“Evoluiu muito a nossa visão de séries. A gente focou, montou a Casa dos Roteiristas para ganhar escala 
no desenvolvimento”, diz.

Era preciso ir além das minisséries e sitcoms, gêneros que o grupo já dominava, e mudar a estrutura narrativa.

“A temporada voltar um ano depois muda muita coisa. Toda a discussão da linguagem, do ritmo, do gancho final. Então a gente investiu para ter um portfólio grande de séries a serem oferecidas.”

Além da dramaturgia, também houve diversificação temática. “A gente ampliou a nossa carteira de gêneros narrativos. Tem muita coisa sendo desenvolvida de aventura, ação, distopias, antologias.”

Questionado, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que comandou a Globo por três décadas, lembra que o país “tem qualidade e continuidade de produção para entrar em mercados que aceitam 
dublagem
ou subtitulagem, mas em mercados mais sofisticados o idioma atrapalha”.

É uma questão histórica para a produção brasileira, de que o português “é um limitador, embora não uma barreira intransponível”, no dizer de Boni.

Albuquerque acredita que as coisas mudaram. “Completamente. ‘A Casa de Papel’ provou isso. Ficou demonstrado que a língua deixou de ser uma barreira. O streaming trouxe isso de bom para todo mundo. Os conteúdos nórdicos estão aí para comprovar.”

Ainda assim, no caso de “The Angel of Hamburg”, uma coprodução com a Sony, a Globo decidiu gravar em inglês.

“A gente queria testar. Em toda a estratégia internacional a gente está querendo testar alguma coisa, 
de trabalhar com elenco de fora do país a modelos de gravação diferentes”, diz ela.

“Dominar o mercado internacional não é só questão de ter boas histórias e capacidade de produção de qualidade, mas também de ter flexibilidade para produzir de maneiras diferentes.”

Flexibilidade que vale também ou sobretudo para financiamento e distribuição. 

“Todos os modelos de negócio estão na mesa”, diz a executiva. “Em cada um desses projetos, você senta para conversar do zero.”

Para “Angel”, por exemplo, o acerto foi que a Sony faria a distribuição internacional.

“Na Globo, a maior parte do que a gente faz ainda é licenciamento. Licencia-se uma coisa já pronta para outro país. Para a gente, é uma oportunidade de aprender, ver como lançar em escala internacional.”

Já para “Jugar con Fuego”, coprodução lançada neste ano com a americana Telemundo, o formato foi outro. “A gente licenciou o direito de adaptação de ‘Amores Roubados’, mas acompanhando a adaptação, escalação, direção, todas as etapas de produção.”

A distribuição ficou com a Telemundo, com parte da receita indo para a Globo. Mas a maior novidade foi o comprador.

“O projeto foi vendido para a Netflix no mundo, em segunda janela. No Brasil, a gente manteve essa propriedade para o Globoplay, para ficar dentro do Grupo Globo.”

Ou seja, não há restrição para vender às plataformas maiores. E estas, que antes priorizavam acordos de licenciamento de âmbito mundial, também passaram a aceitar “negociações partidas”, de alcance nacional ou regional.

E a negociação não é só com Netflix ou Amazon. “A Índia e a China são dois lugares com os quais a nossa área internacional está negociando, além de alguns outros. Do mesmo jeito que a gente tem o Globoplay, hoje quase todos os países têm uma OTT [jargão para serviço de streaming] local.”

São oportunidades de negócio aparentemente ilimitadas, para audiências que querem conteúdo local e também têm curiosidade pelo resto do mundo. “É um momento de muita ebulição”, diz Albuquerque.

Um dos bons efeitos, acrescenta, é que o streaming estabeleceu uma nova corrida no Brasil.

Lembrando que Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, descreveu Globo e HBO como as suas concorrentes no país, ela comenta: “É melhor você estar num ambiente de competição pela qualidade”.

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