Pioneiro do videoclipe, artista Bruce Conner ganha primeira mostra no país

Avesso a rótulos e com fama de rebelde, americano tem trabalhos expostos em galeria e projeção de filmes no IMS

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São Paulo

Era comum que o artista americano Bruce Conner distribuísse dois tipos de broches, um vermelho e outro verde, nos vernissages de suas exposições. O vermelho estampava a frase “eu sou Bruce Conner”. O verde, “eu não sou Bruce Conner”.

Os acessórios foram criados em 1964, quando o artista, um dos símbolos da contracultura americana que morreu em 2008, aos 74 anos, decidiu convocar um encontro entre indivíduos que, como ele, compartilhavam o nome Bruce Conner.

A convenção nunca aconteceu, embora ele tenha afirmado, em várias entrevistas, que enviou cartões de Natal aos poucos homônimos que conseguiu encontrar.

Os broches também continuaram a ser produzidos. E, vez ou outra, Conner usava um modelo verde para fugir dos puxa-sacos e confundir os galeristas nas aberturas, conta Michelle Silva, que atuou como assistente do artista em seus últimos anos de vida e hoje cuida do seu acervo.

A anedota revela um pouco da personalidade do “enfant terrible” da vanguarda artística de San Francisco, que ganha sua primeira exposição individual no Brasil, na galeria Bergamin & Gomide, a partir desta semana.

Organizada em parceria com a galeria Kohn, de Los Angeles, ela reúne cerca de 20 trabalhos de Conner, parte deles exibida na retrospectiva do artista realizada há três anos nos museus de arte moderna de Nova York e de San Francisco e também no Reina Sofía, em Madri.

Entre as obras, está um vídeo projetado num espaço de 25 metros quadrados erguido especialmente para a ocasião.

Batizado “Breakaway”, nome de uma canção de Toni Basil usada na trilha sonora, ele traz a imagem borrada da cantora e coreógrafa, então com 23 anos, dançando, cada vez mais nua, num cenário negro, seguida por uma câmera frenética —até que imagens e música são rebobinadas.

A produção experimental, toda rodada num apartamento, é considerada precursora dos videoclipes que inundaram a MTV nos anos 1980 com sua mistura de trilha sonora pop, cortes rápidos e efeitos visuais, além do diálogo crítico com a cultura de massa que virou sinônimo dos filmes de Conner.

Mais de dez desses trabalhos, aliás, ganham uma mostra paralela na sede paulistana do Instituto Moreira Salles ao longo deste mês. A maioria é composta por apropriações de propagandas, telejornais e vídeos institucionais garimpados pelo artista.

A prática de juntar objetos encontrados por aí também aparece nas assemblages que catapultaram Conner à fama, no final da década de 1950. Duas dessas obras são apresentadas na mostra —camadas de lixo acumuladas sobre uma base de madeira é uma delas, e tecidos envolvendo um tijolo, a outra.

Mas as colagens materiais e fílmicas estão longe de ser as únicas mídias com que Bruce Conner trabalhou, como provam as pinturas, desenhos e fotografias que completam essa nova exposição.

Como os broches, a multiplicidade de suportes era um jeito de fugir dos rótulos de um sistema de arte obcecado por assinaturas, lembra Silva.

“Ele sempre nadava contra a corrente, fazia o contrário do que todo mundo esperava. Era um rebelde, um iconoclasta”, acrescenta Thiago Gomide, sócio da galeria.

De fato, Conner vivia encontrando maneiras de desafiar as convenções. Por mais de três anos, ele se recusou a assinar qualquer obra. Ainda na década de 1960, se candidatou a um cargo público em San Francisco, só para ler uma lista desconexa de sobremesas em seu discurso.

Na década de 1970, organizou uma exposição de colagens que dizia ser do amigo Dennis Hopper, o diretor de “Easy Rider”, vetada por sua galeria em Los Angeles.

Depois, ao anunciar sua aposentadoria —nunca concretizada—, ele passou a usar pseudônimos, como Anonymous, Anonymouse e Emily Feather, para assinar uma série de pinturas com manchas de tintas, uma delas também exposta agora em São Paulo.

Obtidos ao dobrar um papel com tinta fresca em várias direções, os borrões de Conner têm o tamanho de um grão de arroz e, enfileirados, lembram pequenos insetos ou flocos de neve.

A delicadeza do traço se repete em outros desenhos, pinturas e gravuras do artista na mostra. E também no método de trabalho do artista, como lembra Silva. Sua meticulosidade, aliada a uma relação de amor e ódio com o mercado artístico, fez sua fama de mau.

“Quando eu fui contratada como assistente dele, aos 20 e poucos anos, ele me chamou num canto e disse: ‘Tenho certeza de que você já ouviu todas essas histórias sobre mim, mas gostaria de contar o meu lado’”, ela lembra.

“Ele era muito perfeccionista e se decepcionava com as instituições que não tinham o mesmo nível de exigência. E não abria mão da própria visão, o que o levou a brigar com muita gente.”

Mesmo que menos lembrado do que outros colegas de geração, como Jasper Johns ou Robert Rauschenberg, Conner, na visão de Thiago Gomide, foi um dos nomes mais inovadores do pós-Guerra. “Ele sempre chegou antes de todo mundo.”

Mas até essa fama incomodava o artista, afirma Silva. “Ele ficava furioso quando era descrito como um artista à frente de seu tempo. ‘Eu sou do meu tempo!’, gritava.”

Breakaway

  • Quando Seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 15h. Abertura nesta ter. (5), às 18h. Até 20/12
  • Onde Bergamin & Gomide, r. Oscar Freire, 379, lj. 1
  • Preço Grátis

Bruce Conner - Colagens e Deslocamentos

  • Quando Até 29/11. Confira dias e horários de exibição em ims.com.br.
  • Onde IMS, av. Paulista, 2.424.
  • Preço R$ 8
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