Descrição de chapéu The New York Times Televisão

Quem é a mulher que vai desafiar a Netflix como chefe do streaming da HBO

Diretora executiva precisou enfrentar obstáculos ao lançar plataforma em meio à pandemia do coronavírus

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nicole Sperlin
Los Angeles | The New York Times

A pandemia do novo coronavírus complicou as semanas mais cruciais da carreira de Sarah Aubrey em Hollywood.

Como diretora de programação original da HBO Max, a plataforma de streaming que entrou em ação em 27 de maio nos Estados Unidos, ela tem o poder de aprovar programas e filmes que serão vistos por milhões de pessoas. Mas também tem que lidar com 30 produções que foram suspensas e com seus três filhos, de seis, dez e 17 anos, que não podem sair de casa.

Na semana que antecedeu o lançamento de um ambicioso serviço de vídeo sob demanda criado para desafiar a Netflix, Aubrey fez o café da manhã das crianças e cuidou para elas estarem prontas para a escola, via Zoom, às 9h. Então voltou ao trabalho, falando com criadores de séries e cineastas como Steven Soderbergh.

O primeiro filme dele para a plataforma, “Let Them All Talk”, com Meryl Streep, ficará pronto mais tarde este ano. E Soderbergh talvez seja o primeiro cineasta da HBO Max a reiniciar a produção. Segundo Aubrey, as décadas de experiência dele atrás das câmeras o tornam o candidato perfeito. Outra coisa que favorece Soderbergh é o fato de ele ter dirigido “Contágio”, filme de 2011 que agora parece estranhamente presciente.

“Seria quase imperícia ou negligência pôr um diretor que não fosse experiente num set de filmagens neste momento”, disse Aubrey, entrevistada em sua casa em Los Angeles. “A pessoa precisa ter umas 10 mil horas de experiência para ser capaz de administrar esse tipo de situação.”

E Aubrey deve saber do que está falando. A ex-produtora, hoje executiva de estúdio, acumulou suas próprias 10 mil horas de experiência produzindo filmes e séries de televisão por mais de uma década antes de virar executiva corporativa.

Vestindo macacão cor salmão, sapatos Birkenstock metálicos e meias brancas, ela mais parece uma moradora boêmia de seu bairro de Studio City que uma executiva poderosa. Mesmo à distância de dois metros imposta pela pandemia, teria sido difícil não enxergar o pendente de seu colar, uma plaquinha com “1973”, o ano da decisão histórica da Suprema Corte no processo Roe contra Wade, que legalizou o aborto.

“Esse colar deslancha muitos papos interessantes”, disse Aubrey. “Sem falar que é um jeito mais fácil de falar de feminismo, sem precisar usar minha camiseta ‘Feminist AF’ [algo como feminista para caramba, em português].”

A executiva da HBO Max, Sarah Aubrey tem agora o poder de escolher séries e filmes que serão vistos por milhões de pessoas
A executiva da HBO Max, Sarah Aubrey tem agora o poder de escolher séries e filmes que serão vistos por milhões de pessoas - Elizabeth Weinberg/The New York Times

Aubrey é a mulher mais altamente situada na HBO Max. Ela é subordinada a Kevin Reilly, o diretor de conteúdos, Robert Greenblatt, diretor de entretenimento, e Jason Kilar, o recém-nomeado executivo-chefe da divisão.

Uma das primeiras prioridades da AT&T depois de comprar a Time Warner por US$ 85,4 bilhões (equivalente a R$ 425 bilhões) foi a criação de uma grande plataforma digital que unisse todas as unidades díspares da Warner Media –Warner Bros, HBO, Cartoon Network, CNN e TNT, entre outras.

A empresa pretende investir mais de US$ 4 bilhões (R$ 19,9 bilhões) na HBO Max, que chegou atrasada à festa do streaming, ao custo de US$ 15 (R$ 74,6) mensais nos Estados Unidos, um valor mais alto do que cobram a Netflix, Disney Plus, Apple TV Plus e Hulu.

Aubrey, 48, disse que enxerga seu papel como oportunidade de montar uma equipe que possa ajudar a levar a empresa para o futuro. “Tenho algumas pessoas adultas, bacanas, realmente ambiciosas que trabalham para mim”, disse ela. “E tipo 80% delas são mulheres.”

Ela se considera uma pessoa de sorte por estar trabalhando na mídia digital neste momento. “Estar na etapa inicial de uma coisa como esta é uma oportunidade profissional do tipo que só aparece uma vez na vida”, disse Aubrey. “Não é apenas por ser streaming —uma área em que todo o mundo quer estar hoje—, mas porque conheço todo o mundo nesta empresa. Temos combustível de jato aqui.”

Alguns programas aprovados para ser lançados sob sua égide incluem a série “Love Life”, comédia romântica estrelada por Anna Kendrick, e “Legendary”, uma série competitiva ambientada no mundo da dança de salão underground. O primeiro filme que Aubrey encomendou, “Tokyo Vice”, do diretor Michael Mann e estrelado por Ansel Elgort, teve suas filmagens suspensas no Japão depois de cinco dias, devido ao vírus. Aubrey acha que também esse trabalho tem chances de recomeçar em breve.

Tudo isso fará parte das 10 mil horas de programação disponíveis na plataforma quando atingir a maturidade. Sitcoms veteranas da Warner Bros como “Friends” e “The Big Bang Theory” dividirão espaço com filmes da Warner Bros, incluindo os oito filmes da franquia “Harry Potter” e grandes sucessos da DC Comics com Batman, Superman e Mulher Maravilha.

Também haverá a chamada edição Snyder de “A Liga da Justiça”, uma versão reeditada e ampliada do filme de 2017 sobre super-heróis cujo diretor original, Zack Snyder, foi obrigado a abandonar a produção em função de uma tragédia familiar.

Aubrey entrou para o mundo do entretenimento pela porta lateral do direito relativo ao setor, tendo sido advogada na firma de direito Greenberg Glusker, de Los Angeles.

“Como advogada do setor do entretenimento, eu provavelmente imaginava que era capaz de dar palpites sobre roteiros”, disse ela. “Eu não sabia como nada funcionava. Ficava o tempo todo tentando imaginar um jeito de entrar nessa área.”

Ela cresceu em Austin, no estado americano do Texas. Seu pai era empreendedor. Sua mãe era dona de casa e virou diretora executiva da Planned Parenthood (entidade sem fins lucrativos que promove o controle de natalidade). “Não era incomum minha mãe andar com uma réplica educacional de um útero de borracha na bolsa”, contou Aubrey.

“O Barco do Amor”, “A Ilha da Fantasia” e “Laverne & Shirley” foram formativos. E Aubrey era cinéfila séria, do tipo que compra os ingressos antecipadamente para ter a certeza de conseguir um bom lugar e não perder os trailers. Ela se recorda de ter chorado ao assistir a “Laços de Ternura” e tremido de medo com “A Hora do Pesadelo”. “Tootsie” lhe proporcionou um vislumbre do mundo do entretenimento, com cenas de bastidores mostrando como eram produzidas telenovelas.

“Adorei aquela história bizarra, precoce, muito feminista, em que um homem vestido de mulher vai para um local de trabalho e começa a defender as outras mulheres”, ela contou.

Enquanto era advogada do setor de entretenimento, Aubrey conheceu o marido de uma amiga sua do colégio –John Cameron, produtor que trabalhara em “Fargo”, “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?” e outros filmes de Joel e Ethan Coen. Mandou a ele um roteiro promissor de uma dupla de roteiristas que havia conhecido, John Requa e Glenn Ficarra. Nove meses mais tarde ela já havia abandonado a firma de advocacia e estava no set de “Papai Noel às Avessas”, comédia de 2003 escrita por Requa e Ficarra que teve os irmãos Coen como produtores executivos.

Ela voltou a trabalhar com Cameron e com o diretor Peter Berg em “Friday Night Lights”, tanto o filme da Universal quanto a série de televisão da NBC, além do filme de ação de 2007 “O Reino”. Com Berg, foi produtora de sete filmes, quatro séries de TV e três séries documentais.

“Ela é superteimosa”, disse Berg. “Ela é bem informada, mas não é elitista. Sarah realmente sabe pôr as mãos na massa e mergulhar fundo nas complexidades da produção de filmes.”

Berg recordou um momento em Abu Dhabi quando Aubrey mostrou seu talento de produtora durante a criação de “O Reino”. Aconteceu em um momento em que Berg vinha adiando a obrigação de escrever uma cena curta que precisava ser filmada nos próximos dias. Aubrey foi visitá-lo em seu quarto de hotel à meia-noite. Trancou a porta e suplicou com ele para começar a trabalhar. Quando Berg se recusou, ela agarrou um abacaxi e o jogou contra a cabeça dele, errando o alvo por pouco. Quando ela pegou outro abacaxi, ele reconsiderou.

“Ela ficou em pé do meu lado, segurando um abacaxi ao alto, sobre minha cabeça, enquanto eu me sentei à mesa de trabalho”, disse Berg. “Peguei um papel, uma caneta e escrevi a cena. Ela pegou o papel e leu. Releu. Depois disse ‘OK, serve' e saiu do meu quarto.”

Em 2015, Reilly, que trabalhara com Aubrey quando ele era executivo da NBC, a recrutou para trabalhar com ele na Turner Broadcasting. Ele a pôs na direção da programação original da rede a cabo TNT, que passou a pertencer à AT&T após a fusão desta com a Time Warner.

“O interessante de Sarah é que às vezes ela parece rata de biblioteca, às vezes parece atrevida, às vezes intelectual, às vezes aquela garota do Texas”, disse Reilly.

Desde que está na HBO Max, Aubrey ainda não jogou uma fruta em ninguém. Mas disse que a pressão foi intensa nos dias que antecederam o lançamento da plataforma.

“Temos que lançar este negócio”, disse ela. “Só vou conseguir continuar neste ritmo por mais alguns dias. Não paro de lembrar a todo o mundo: ‘Caras, quando você tem um bebê isso não é o final, é o começo’. Há aquele momento quando você acaba de ter um filho, você olha para baixo e pensa ‘meu Deus, agora é para sempre’. Estamos nesse momento.”

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.