Caetano Veloso resgata período no exílio em live do festival Cultura Inglesa

Cantor vai falar sobre experiência e tocar músicas de disco com seu nome e 'Transa', feitos em Londres, neste domingo (7)

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São Paulo

Até chegar em Londres, Caetano Veloso não tocava violão em seus discos. “No Brasil, os produtores não me permitiam sequer tocar violão em meus próprios discos —e eu lhes dava razão”, ele escreve em “Verdade Tropical”, autobiografia em que conta a história da tropicália.

Foi a partir do otimismo do produtor britânico Ralph Mace que Caetano perdeu a vergonha e se deixou gravar tocando seu principal instrumento, pela primeira vez em um disco. Aquele LP, intitulado “Caetano Veloso”, este ano completa cinco décadas de existência.

caetano veloso de casaco de lã em londres
O cantor e compositor Caetano Veloso durante seu exílio em Londres, 1970 - Divulgação

Ele e o álbum seguinte, “Transa”, de 1972, registram o período que o tropicalista passou exilado na Inglaterra e pautam o repertório do cantor em live pelo festival Cultura Inglesa, no próximo domingo (7). Ele vai cantar músicas desses discos e conversar com o escritor Felipe Franco Munhoz na transmissão.

Era 1971, e Caetano estava triste, depois de ficar cerca de dois meses preso no Rio de Janeiro e de ser proibido de fazer shows no período mais duro da ditadura militar. Ele estava na capital inglesa com Gilberto Gil, e a verdade é que não tinha vontade de entrar em estúdio novamente.

Caetano mostrou a hoje clássica “London London” —lançada no ano anterior por Gal Costa— a Mace, mas disse que, para o disco, Gil ou algum outro músico assumiria o instrumento. Em resposta, ouviu que se outra pessoa tocasse violão, a canção perderia toda a graça.

Seu jeito de tocar violão, sob a influência de João Gilberto e Dorival Caymmi, aflorou justamente longe do Brasil. Assim como a infiltração mais evidente da língua inglesa em sua obra.

Não que ela fosse estranha ao brasileiro. Na verdade, ele já havia escrito letras em inglês, sob a premissa de que se o terceiro mundo era bombardeado pelo idioma, nada mais justo que usá-lo a seu próprio modo.

Tocando violão e cantando em inglês, ele gravou faixas como “If You Hold a Stone” e “Shoot Me Dead”, mas o ápice desse momento talvez seja “Maria Bethânia”. A música começa com versos em inglês e muda de ânimo quando ele transforma a palavra “better” no nome da famosa irmã cantora. Caetano pedia uma carta com notícias boas.

O clima de melancolia é perceptível na capa, em que o baiano, com barba e cabelos longos, veste um robusto casaco de lã. Em “Verdade Tropical”, que saiu em 1995, ele diz que “Caetano Veloso” não trazia exatamente boas lembranças. “Até hoje esse disco me desagrada por lembrar-me demais minha depressão e minhas limitações pessoais.”

As saudades do Brasil aparecem na versão quase psicodélica de “Asa Branca”, clássico de Luiz Gonzaga, e na evocação da cantiga tradicional “Marinheiro Só” em “If You Hold a Stone”. Os discos dos Beatles já haviam influenciado Caetano na gênese da tropicália, e ele agora se encantava com a energia emanada por Mick Jagger e os Rolling Stones no palco.

A experiência de ver os Stones ao vivo e o empoderamento como violonista impulsionam o tropicalista em “Transa”. O disco, segundo do exílio —só lançado em 1972, quando ele já estava no Brasil— e hoje tratado por muitos fãs como o melhor de sua discografia, surgiu da ideia de fazer uma banda que expressasse, coletivamente, o jeito dele de tocar e violão.

O álbum, mais dinâmico, vigoroso esteticamente ousado que o antecessor, foi feito por uma banda que juntava a Caetano o baixista Moacyr Albuquerque, as baterias e percussões de Áureo de Souza e Tutty Moreno e as guitarras e violões de Jards Macalé.

“A gente começou a ensaiar em um parque durante a primavera. Fizemos um piquenique e começamos a tocar”, Jards Macalé disse em entrevista de 2012 à Folha. Ele também assinou a produção musical do álbum. “Os arranjos eram coletivos. Caetano dava algumas ideias e cada um colocava sua parte do arranjo. Eu só dava uma limpeza final.”

Ao contrário de “Caetano Veloso”, o disco de “You Don’t Know Me”, “Triste Bahia”, “Mora na Filosofia” e “Nostalgia”, entre outras, veio num momento de esperança. Caetano tinha feito uma viagem ao Brasil para gravar o famoso especial de TV com João Gilberto e Gal Costa, e via com mais expectativa um retorno ao país.

A morbidez do trabalho anterior agora se transformava em movimento nas faixas percussivas, com a liberdade de espírito de Macalé e um desejo de vida expresso no refrão de “Nine Out of Ten”. Caetano cantou o “Transa” no Queen Elizabeth Hall e, em janeiro de 1972, já estava de volta ao Brasil programando as apresentações do álbum pelo país.

“A simples lembrança de que ali se deu minha primeira tentativa de criar um som a partir de minhas próprias idéias me enche de alegria”, ele escreveu na autobiografia. Se havia entrado em depressão no frio do norte do mundo, o baiano voltava do exílio descobrindo não apenas a originalidade de seu violão, mas também todas as maravilhas que poderia criar a partir da maneira de abordar o instrumento.

Em uma entrevista de 1991 ao Jornal do Brasil, ele diz que “os ingleses me liberaram para o violão”. “Achavam lindo o meu jeito de tocar e os brasileiros achavam horrível. Se eu não tivesse sido preso e exilado, talvez nunca tocasse violão num disco.”

Caetano Veloso no festival Cultura Inglesa

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