Festival SP sem Censura projeta falas de Bolsonaro e retrata paralisia das artes

Intervenções exibem propostas culturais que foram vetadas pelo governo federal

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Brasília

O mercado da cultura desaquecido, obras vetadas, artistas atacados por conteúdos considerados inapropriados por grupos conservadores. Esse é o mote de instalações culturais que tomam cenários emblemáticos da cidade de São Paulo neste feriado, como parte do festival São Paulo sem Censura, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura.

“Queríamos mostrar três facetas, o que a sociedade está deixando de apreciar com os projetos, o déficit da geração dos postos de trabalho, ou seja, o que isso está acarretando para o setor, e a perda de arrecadação financeira, o que o próprio estado está deixando de gerar de recursos por conta dessa paralisia”, diz Leandro Pardí, um dos responsáveis pela obra “Burocra Parade”, que espalhou totens de 1,70 metro pela avenida Paulista.

Cada um dos totens representa um projeto que já teve recursos captados, mas que, sem motivo claro, está parado na burocracia estatal, diz Pardí. A intervenção, realizado pelo Coletivo Pardieiro Cultural, começou a ser idealizada no início deste ano e contou com a participação de mais de uma dezena de pessoas na produção e montagem.

“A gente quis identificar projetos que já tinham o mais difícil, que são os recursos captados, e que, mesmo assim, sem justificativa plausível, sem nenhuma razão concreta, estão a meses sendo impedidos de serem realizados”, afirma ele.

Os dez blocos de madeira espalhados pela avenida são estampados com uma torre de papéis e trazem uma explicação a respeito do projeto que ficou estancado na Ancine ou na Rouanet e um imenso carimbo vermelho de “paralisado”. Os proponentes de cada obra não foram identificados. O motivo do anonimato, conta Pardí, é para proteger os artistas, que têm medo de represálias.

Já em outro ponto de São Paulo, uma obra do festival preferiu dar nome aos bois. A “Censura Velada” do Coletivo (In)fluxos, instalada em frente ao Theatro Municipal, no centro, tem três fases. A primeira consiste em uma mesa com resmas de papel, caixas e correntes e uma placa onde se lê “Lei Rouanet” e representa a paralisia do setor cultural brasileiro.

A segunda é uma rádio, que tocará durante todo o período do festival músicas de artistas censurados durante a ditadura militar, como Chico Buarque e Raul Seixas. Nesta parte da instalação, são também transmitidas falas do presidente Jair Bolsonaro sobre censura, ditadura e cultura.

"Houve períodos de exceções. Falam em fechamento do Congresso. O que é um Congresso fechado dez meses? Não tinha nenhum cabo na porta", diz um dos áudios que serão exibidos, retirado de uma entrevista do então candidato Bolsonaro em 2018 à GloboNews.

Além disso, uma projeção acontecerá todas as noites entre 19h e 20h com as imagens de produtos culturais que foram censurados desde 2017, como peças, livros e exposições.

“A gente vai projetar essas obras, o nome dos artistas, o ano em que ocorreu, o censor e que tipo de justificativa foi dada. E vamos fechar o evento também com notícias relacionadas principalmente ao secretário de Cultura, Mario Frias, e notícias voltadas para essa censura das artes, coisas que vêm acontecendo nesse processo histórico, como isso passou despercebido e como chegamos aonde estamos”, diz Bruna Menezes, uma das idealizadoras.

Uma das preocupações do coletivo foi a de trazer o maior número possível de trabalhadores para o projeto, para tentar movimentar um mercado que foi duramente atingido pela pandemia. “Isso é uma das questões primordiais, chamar as pessoas que estão paradas para movimentar esses artistas que estão sem trabalho desde o começo da pandemia”, diz Leonardo Monteiro, um dos responsáveis pela “Censura Velada”.

A ideia de misturar elementos da ditadura com o atual governo, dizem eles, tem a ver com a escolha do nome. “Não é uma perseguição aberta, como no caso da ditadura, mas aí vêm justificativas que não se sustentam para barrar os projetos. Há uma manipulação para que eles não saiam do papel”, afirma Menezes.

A obra teria mais uma fase, com performances de atores, mas, a pedido da Secretaria Municipal de Cultura, por causa da pandemia, não haverá atuações.

Os artistas dizem não ser uma surpresa a tentativa de uma vereadora bolsonarista de impedir a realização do festival. O pedido foi negado pela Justiça, que afirmou que a suspensão configuraria censura prévia. “É muito impressionante como chegamos a este ponto, como que a arte começou a ser considerada inapropriada. Mas não temos medo de represálias”, diz Menezes.

O festival São Paulo sem Censura, que no ano passado se chamou Verão sem Censura, reúne peças, filmes e outras manifestações que tenham por tema a censura às artes.

Na programação, está a montagem de "O Santo Inquérito", de Dias Gomes, pela companhia BR116. O grupo teve seu projeto para o espetáculo arquivado pela Secretaria Especial da Cultura do governo federal, em fevereiro deste ano, sem justificativas.

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