O destino não é soberano, fora de controle ou onipotente. Ele existe para nos servir, não para mandar em nós, como um ditador. Mas não é bem nisso que acredita o jornalista e escritor Edney Silvestre, que muitos conhecem das coberturas da Globo em Nova York, com destaque para o 11 de Setembro —quando o destino se pôs a serviço de um bando de celerados.
Em seu quinto livro, o autor prefere baixar a cabeça de seus personagens diante da sina imponderável, a exemplo do casal de imigrantes italianos que, ao perceber que o contrato oferecido no Brasil era uma roubada, acaba impedido de voltar à terra de origem por causa de outra cilada.
A família Vivacqua se submete e finca suas raízes por aqui, num tempo em que prosperar no país novo era visto quase como uma obrigação. E assim, a cidade de Ourinho, onde se estabelecem, assiste ao nascimento de suas quatro filhas.
Enquanto isso, o pequeno bugre, mais tarde batizado Felício, presencia o assassinato da mãe índia e corre para pedir ajuda na pequena civilização. Cresce sob os cuidados de padre Lurran, que forja um casamento dele com a jovem amante para justificar os filhos que vão nascendo à imagem e semelhança do pároco. Mas Felício não dá atenção a essas manobras e continua plantando e criando porcos no sítio em que nasceu.
Emiliana Vivacqua, a primogênita —a quem caberia, seguindo o costume do final do século 19, não se casar para cuidar dos pais—, é quem descobre em Felício a pele cor de jabuticaba e olhos amarelos. Suas constatações se restringem a rápidos olhares da moça quando a charrete da família passava ao lado do homem a pé.
Até o dia em que ela, além das rédeas do veículo, assume o cabresto de seu destino. "Não deveria descer da charrete. Desceu. Não deveria abrir a porteira. Abriu. Não deveria tomar o caminho para a casa dele. Tomou."
Mas, simultaneamente à sábia e corajosa decisão, um drama se desenrola em sua casa, envolvendo irmãs e futuros cunhados —o destino tirando a graça da vida que vinha ganhando.
Com o ponto de vista de quem trabalhou anos com a notícia, o contexto histórico de uma República recém-nascida, mão de obra chegando de outro hemisfério, estradas de ferro rasgando o país atrás do sonhado progresso, mergulha os personagens no turbilhão dos acontecimentos. Como um destino implacável.
O resto é spoiler. Basta falar que é um texto delicioso como o andar dos carros de boi pelas estradas de poeira vermelha de um Brasil que deixamos escapar. Não por culpa do destino, mas por pura inoperância. É um obra que enaltece ainda mais a excelente produção de um jornalista que se tornou um escritor premiado já na estreia, há dez anos, com "Se Eu Fechar os Olhos Agora".
A mesma delicadeza reina em "Amores Improváveis" na cuidadosa edição da Globo Livros, que traz inúmeras ilustrações e fotos a cada pequeno capítulo e nos dão a impressão de estarmos lendo um livro para crianças grandes.
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