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Cinema América Latina

'Aranha' revela a tensão no Chile da ditadura a partir dos neofascistas

Filme se mostra original ao falar do golpe que levou Augusto Pinochet ao poder por meio de personagens de extrema direita

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Aranha

  • Quando Estreia nesta quinta (23), nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Mercedes Morán, Caio Blat e María Valverde
  • Produção Chile/Argentina/Brasil, 2019
  • Direção Andrés Wood

O processo que levou à ditadura militar chilena —que durou de 1973 a 1990— é assunto frequente da cinematografia latino-americana. Porém, a maioria das produções trata desse episódio por meio de um olhar de esquerda, da perspectiva daqueles que foram derrotados pelo golpe que levou ao poder o general Augusto Pinochet.

"Aranha", do cineasta chileno Andrés Wood, é original ao retratar o período por meio da história de um grupo de extremistas de direita, nacionalistas e neofascistas, que existiram de fato e praticavam atentados e ataques contra os defensores do então presidente socialista Salvador Allende. O título se refere ao símbolo dessa associação, o Patria y Libertad, cuja imagem parece uma aranha.

A trama ocorre em dois planos. Um deles, nos anos 1970, nos mostra um trio amoroso entre integrantes da agrupação. A bela Inés, papel de María Valverde, conquista o coração do impetuoso Gerardo, vivido por Marcelo Alonso, apesar de estar casada com o provocativo Justo, papel de Felipe Armas.

Os três são violentos, rebeldes, apaixonados por sua causa. Eles se distinguem dos jovens de esquerda daquela época por defender os privilégios de sua classe social, pela homofobia e pelo racismo, e por, em suas palavras, preferirem "uma revolução com uísque e caviar, e não como a dos que comem empanada e tomam vinho tinto", em referência aos esquerdistas.

O ambiente é de muita tensão política, com a cidadania polarizada e a gestão Allende sob muita pressão de empresários e de forças políticas internacionais. Gerardo acaba protagonizando um atentado que mata um oficial de alta patente vinculado a Allende e é obrigado a se exilar, fazendo com que o grupo de amigos se dissolva.

Quarenta anos depois, Gerardo e Inés, agora interpretada pela atriz argentina Mercedes Morán, se reencontram de modo não tão casual. Ele é preso por tentar fazer justiça com as próprias mãos contra um assaltante de rua, na periferia de Santiago.

Ela, uma empresária bem-sucedida, tenta impedir que Gerardo vá a julgamento e exponha os nomes dos participantes do grupo publicamente, o que atrapalharia sua carreira e incomodaria o filho, que repudia o passado fascista da mãe. A solução encontrada é tentar mover influências para que Gerardo seja considerado louco e trancafiado num hospital psiquiátrico.

O filme traz uma crítica ao modo como a sociedade chilena está organizada nos dias de hoje, com aqueles que defenderam a ditadura militar em posição de destaque e com uma confortável situação financeira. Além disso, essa elite que se mostra herdeira do golpe parece ter muito poder nos bastidores da política e da Justiça. Também retrata os dilemas do Chile atual, como a relação com a crescente comunidade de imigrantes, principalmente vindos do Haiti.

O símbolo do Patria y Libertad voltou a aparecer recentemente em manifestações da direita e há um grupo político que reivindica o pinochetismo e participa de eleições. Numa entrevista, Wood afirmou que esse foi o estímulo para realizar esse filme, como um alerta e um lembrete do que ocorreu no passado.

A caracterização de época dos anos 1970 é muito bem realizada na fotografia, figurinos e comportamentos, algo que o diretor já havia conseguido fazer em "Machuca", de 2004. Os dois filmes, aliás, têm certo parentesco.

Na história de "Machuca", um dos personagens laterais pertence ao Patria y Libertad e aparece numa manifestação do grupo. Porém, se naquela história Wood tinha um olhar de certa esperança de conciliação entre as classes no Chile, em "Aranha" o que predomina é certo pessimismo com o país nos dias de hoje.

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