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Cinema

Jean-Paul Belmondo foi um mito do cinema, como Brando ou Grant

Não exatamente belo, mas sedutor, galã morto aos 88 anos encarnou o novo jeito de interpretar da nouvelle vague

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Foi passeando por Paris, no verão de 1958, que se deu o encontro entre Jean-Luc Godard e Jean-Paul Belmondo, morto aos 88 anos nesta segunda (6). Não demorou para o cineasta convidar o ator para o principal papel masculino do curta “Charlotte et Son Jules”, que estava preparando. E para concluir, logo depois, que aquele era o ator ideal para fazer Michel, o protagonista de “Acossado”.

O passeio era um hábito. Belmondo costumava sair de sua casa, todos os dias, para andar pela cidade. Aprendera com os mais clássicos atores do cinema francês, como Jean Gabin ou Michel Simon, que caminhar é um modo de perceber o que se passa, como são e como agem as pessoas.

Como acontece com frequência, o começo não foi assim tão simples. Teve de fazer três tentativas até entrar no Conservatório de Paris. Sua apresentação em “As Artimanhas de Scapin”, de Molière, em 1956, lhe rendeu críticas pesadas e a advertência de um professor de que nunca iria muito longe com sua cara de baderneiro. Pouco depois, quando tentou o papel central em “Os Trapaceiros”, de 1958, foi barrado pelo diretor Marcel Carné, que censurou o seu jeito excessivamente malandro. Ganhou uma ponta, apenas.

Não muito depois, no verão de 1958, passeando por Paris, deu-se o encontro: Jean-Paul Belmondo e Jean-Luc Godard cruzam em Saint-Germain-des-Prés. E essa cara mesmo é que deve ter levado Godard o convidá-lo para um papel no curta-metragem que preparava, “Charlotte et Son Jules”. Não muito depois, Belmondo irromperia para o mundo na pele de Michel, o malandro —justamente— de “Acossado”, o filme que também revelaria Godard ao mundo como o grande iconoclasta do cinema.

E “Acossado” era tudo de que Belmondo precisava para se estabelecer como o galã por excelência daqueles tempos: não exatamente belo, mas tremendamente ágil física e espiritualmente, rebelde tendendo para o durão, ao mesmo tempo sedutor e inteligente.

Ali, Belmondo exercitava, já, as lições do Conservatório National que frequentara. Mas não só: era um apaixonado praticante do boxe, atividade que, segundo ele, lhe ensinou muito do que sabia. Por exemplo. a levantar-se depois de cair.

O ator francês Jean-Paul Belmondo em uma luta de boxe em Paris em 1960 - AFP

É verdade que, depois de “Acossado”, as quedas não seriam tantas assim. Logo seria convidado para filmar “Duas Mulheres”, de 1960, com Vittorio de Sica. Mas, ao contrário de um Alain Delon, a Itália não seria um destino para Belmondo —os dois países faziam inúmeras coproduções na época.

Em contrapartida, tudo na França parecia dar certo para ele. Primeiro, foi a associação com Jean-Pierre Melville. Não deixa de ser estranho vê-lo em “Léon Morin – O Padre”, de 1961, fazendo o papel de ninguém menos que Léon Morin. É verdade que a ação se passa durante a Segunda Guerra, com a França ocupada, e que Morin trabalha para a Resistência. Ainda assim, Belmondo parece um pouco forçado com sua batina e bons modos.

Mais à vontade ele se mostraria em “Técnica de um Delator”, de 1962, o filme seguinte de Melville. Era um verdadeiro filme de gângster, onde o lado selvagem de Belmondo podia se manifestar plenamente.

Em 1965 chegaria o que foi, talvez, a melhor interpretação de sua vida, como o Ferdinand de “O Demônio das Onze Horas”. Ali, começa como o marido inconformista de uma mulher ricaça antes de fugir com Anna Karina para uma aventura onde fuga, poesia, política se encontram e se misturam.

Bastariam esses dois papéis para que se tornasse um ícone absoluto da nouvelle vague. Pois rejeitar as velhas “vacas sagradas” do cinema francês, renovando ao mesmo tempo sua dramaturgia e seu modo de atuação dos atores, não era um dos objetivos do movimento? Belmondo era o símbolo por excelência desse novo ator. Houve outros, como Jean-Pierre Léaud, mas os tipos eram bem diferentes.

Assim também, “A Sereia do Mississipi”, de 1969, marcaria o encontro de Belmondo com outra atriz representativa desse momento de renovação: Catherine Deneuve (também não foi a única: Jeanne Moreau e a própria Anna Karina são outros nomes marcantes que emergiram com o movimento).

“A Sereia” colocava Belmondo numa posição inusitada. Ele é um rico proprietário envolvido com produção de tabaco em uma ilha no oceano Índico que se apaixona pela mulher com quem se corresponde assim que a encontra. Trata-se de Catherine Deneuve. Mas, logo ele descobrirá, neste filme ele não é o sedutor, mas o seduzido. Não é o malandro. Malandra é ela, apesar de seu jeito de boa moça.

O filme não resultou no que se esperava do encontro Belmondo-Deneuve-Truffaut, é verdade. E a nouvelle vague a rigor tinha acabado em maio de 1968. Belmondo deveria seguir daí por diante outro caminho. Mais precisamente, o de um cinema mais comercial, menos ambicioso, embora digno.

Essa nova etapa começa com “Borsalino”, de Jacques Deray, de 1970, que nos remete ao gangsterismo dos anos 1930 e põe lado a lado Belmondo e Delon. Então, vamos desde já relativizar o “menos ambicioso”. Não cabe, pelo menos, num filme escrito por Jean-Claude Carrière, dirigido por Deray e que, afinal, esteve no Festival de Berlim.

Mas, sim, abre uma série de trabalhos com diretores medianos do cinema francês, como Philippe Labro, Henri Verneuil, Claude Zidi. No meio, ele aparece com alguns nomes de prestígio maior, como Claude Chabrol (“Armadilha para um Lobo”) ou Alain Resnais (“Staviski”), mas desde os anos 1970 o que conta essencialmente é o valor comercial do nome Belmondo e, sobretudo, a persistência do tipo que surgiu em “Acossado”.

Se Belmondo permaneceu durante décadas como um valor comercial intocável —seu nome sempre suscitava boas bilheterias—, o reconhecimento em prêmios foi bem menos generoso. Um César, o Oscar francês, de melhor ator por “Itinerário de um Aventureiro”, de 1988, de Claude Lelouch, talvez tenha sido o principal que recebeu até 2011, quando o Festival de Cannes lhe outorgou uma Palma de Ouro honorária.

A essa altura, é verdade, sua carreira já estava na prática encerrada. Não inteiramente, já que Bertrand Blier o incluiria em 2019 em seu “Les Acteurs”, os atores. Então, Belmondo já era um mito do cinema francês dos anos 1960. O que significa um mito do cinema mundial, como Brando, Cary Grant ou James Dean. Uma reputação que ninguém dirá imerecida.

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