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Cinema

Falso ataque sexual dá o tom de novo filme do autor Atom Egoyan

Em 'Convidado de Honra', sucessão de culpas e perversões termina por oferecer um interesse apenas médio

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Convidado de Honra

  • Onde A partir de sexta (15) nas plataformas Claro Now, Amazon, Itunes/Apple TV, Google Play, Sky Play e Vivo Play
  • Elenco David Thewlis, Laysla de Oliveira, Luke Wilson, Rossif Sutherland
  • Produção Canadá, 2019
  • Direção Atom Egoyan

Com Atom Egoyan sempre parece que estamos à beira de uma obra-prima ou de uma grande bobagem. O autor armênio-egípcio-canadense costuma produzir estranhos estranhamentos em suas ficções e, digamos a bem da verdade, não me lembro de ter chegado a nada perto de formidável depois do surpreendente “Exótica”, de 1994. De filmes promissores, sim.

É o caso deste “Convidado de Honra”, que se desenvolve em boa parte em torno da figura de Jim, papel de David Thewlis, fiscal encarregado de observar as condições sanitárias de restaurantes. Um homem estranho, até porque Egoyan opta por uma narrativa fragmentada não só no tempo como na disposição dos personagens —o que nos leva a conhecer parte deles (ou seja, ele produz uma imagem que cabe ao espectador completar, o que é interessante).

Jim é pai de Veronica, vivida por Laysla de Oliveira, a quem conhecemos logo de início quando conversa com o padre Greg, papel de Luke Wilson, a respeito das providências para o funeral de Jim. Padre Greg diz a ela que o pai não costumava vir à igreja, e que portanto não o conhecia. O que poderia falar dele no funeral? Ela diz, de cara, "pode dizer que ele cuidou muito bem do meu coelho, durante anos".

Aos poucos, aos pedaços, vamos conhecendo um pouco a família, suas culpas e perversões. As culpas recaem sobre Veronica. Ela é capaz de confessar ter mantido relações sexuais com alunos, embora não o tenha, apenas para provocar a própria prisão —a prisão é seu lugar, dirá ela ao pai.

Mas por quê? Não por um falso ataque sexual, mas por ter, quando criança, detectado sinais de que o pai mantinha um caso amoroso com sua professora de piano, no momento mesmo em que sua mãe estava morrendo de câncer.

Veronica se tornou professora de música, passou a dirigir uma pequena orquestra de escola com bastante êxito, mas as dores da infância se perpetuaram em sua vida. Seu sentimento de culpa parece ir além de qualquer limite e ela responsabiliza o pai. Jim, bem ao contrário, acredita que o responsável pelos problemas da filha é outra pessoa. Entrementes, seu rigor na inspeção de restaurantes se torna não apenas excessivo como francamente doentio.

Aos poucos, a perversão começa a tomar conta de tudo no filme. Atinge o padre, capaz de colocar patas de coelho nas mãos de Jim (quando já se encontra no caixão, e atendendo a um desejo do morto). Atinge um estranho restaurante que serve, entre outras iguarias, orelhas de coelhos.

O mundo de Egoyan é torturado, bem mais do que sua narrativa, onde as quebras temporais são perfeitamente funcionais, em que o desenvolvimento dos planos é fluente, em que é capaz de introduzir belos achados, como, entre outros, a visão de uma sala, com um toca-discos em primeiríssimo plano (dito assim é menos atraente do que quando visto).

Mas essa sucessão de culpas, estranhamentos, perversões, que costumam frequentar ao menos uma parte da obra do cineasta, termina por oferecer um interesse apenas médio. Fala mais daqueles personagens e de suas circunstâncias particulares do que de algo que se possa entender como atributos do humano (por exemplo, a culpa por algo que não fizemos é própria da cultura judaico-cristã, mas as culpas que Veronica carrega dificilmente podem ser reconhecidas por outros).

Dão ao filme uma personalidade particular (e David Thewlis está ótimo como Jim), mas tudo é como uma estrada que começa muito bonita e nos dá vontade de trilhar, mas com o tempo notamos que ela, embora continue bela, não chega a parte alguma.

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