Mostra de SP exibe 'Um Herói', de Asghar Farhadi, iraniano vencedor do Oscar

Diretor de 'A Separação' e 'O Apartamento' diz que procurou falar das 'intenções por trás de uma mentira'

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Cannes (França)

O que o iraniano Asghar Farhadi quer com seu nono longa-metragem é contar “a história de um homem comum que de repente vira um herói e acaba explorado e punido por isso”. Foi assim que o diretor descreveu “Um Herói” durante o Festival de Cannes, onde venceu o Grande Prêmio, em julho deste ano.

A obra representou a volta do cineasta de 49 anos a seu país natal, depois de “Todos Já Sabem”, de 2018, filmado em Torrelaguna e Madri, em espanhol, com atores internacionais —Penélope Cruz, Javier Bardem e Ricardo Darín.

“Um Herói”, que faz parte da programação da Mostra de Cinema de São Paulo, é rodado em Shiraz, cidade histórica do sul do Irã, mas não pretende ter a sociedade iraniana como tema, diz Farhadi. “As intenções por trás de uma mentira, as consequências inesperadas dos nossos atos, as espirais que a vida percorre são preocupações humanas, não apenas dos iranianos”, disse ele, em conversa com jornalistas com a presença desta repórter.

Entre garfadas de uma salada de cuscuz marroquino e legumes, numa mesa ao ar livre no jardim de um escritório em Cannes, Farhadi afirmou que a locação, um tesouro nacional que evoca um passado de glória, pode ter combinado com o enredo do filme, mas é uma escolha secundária.

“Fazer um filme aqui ou ali depende da história que quero contar e prefiro manter essa liberdade de escolher o tema antes”, afirmou o diretor, que escreveu também o roteiro, a partir de casos reais mostrados em canais de TV regionais no Irã.

Assim como em “Um Herói”, as emissoras procuram enredos e personagens que possam “encorajar as pessoas a seguir exemplos”, conta ele.

Na obra de Farhadi o suposto herói é Rahim, interpretado pelo iraniano Amir Jadidi, um divorciado pai de um menino pequeno que cumpre pena por calote e sonha em se casar pela segunda vez com a mulher que namora em segredo.

Quando a namorada encontra na rua uma bolsa cheia de peças de ouro, a solução para saldar sua dívida parece ter caído do céu. O casal, porém, não consegue vender o ouro, e o presidiário espalha anúncios para tentar devolver a bolsa a seu verdadeiro dono, dando a deixa para que seja transformado no exemplo da vez.

Amir Jadidi, “escolhido para o papel por seu ar gentil”, segundo Farhadi, faz um Rahim suficientemente ambíguo para dar profundidade e interesse ao personagem. Com um sorriso amplo e frequente —”um elemento de performance que lhe concede o necessário ar ingênuo”—, ele se enreda em pequenas mentiras que só agravam sua situação.

Durante quase todo o filme, a câmera do diretor iraniano põe o espectador ao lado de Rahim, nas ruas, casas e mercados de Shiraz. É uma estética de documentário propositalmente escolhida para que o “espírito dominante” da obra seja a realidade.

“Há camadas de abstração, como nas cenas iniciais, mas não pretendo que essa arte se sobreponha à sensação de naturalidade”, afirma Farhadi.

As redes sociais, que acabam tendo influência marcante nos desfechos de vários impasses, não faziam parte do projeto inicial da história, conta o diretor, até que ele se deu conta de que elas eram dominantes em todas as sociedades ao redor do mundo.

“Todas as instituições e grupos sociais usam essa ferramenta. Mas, nessa história, em vez de ser uma forma de comunicação e abertura, é um instrumento para se esconder e dissimular os fatos”, afirma Farhadi.

“Um Herói” foi a quarta participação do iraniano no mais importante festival de cinema, e o terceiro a ser premiado, embora ele nunca tenha levado a Palma de Ouro. Além de “Todos Já Sabem”, ele apresentou na cidade francesa “O Passado”, de 2013, que ganhou o prêmio do júri ecumênico, e “O Apartamento”, de 2016, escolhido como melhor roteiro.

Um dos poucos diretores a ter vencido duas estatuetas do Oscar de melhor filme estrangeiro, com “O Apartamento” e “A Separação”, Farhadi também ganhou o Urso de Ouro e o prêmio do júri ecumênico do Festival de Berlim por esse último filme. “Procurando Elly”, de 2009, levou o Urso de Prata de melhor diretor.

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